sexta-feira, janeiro 20, 2012

Como inventar um novo planeta - WASHINGTON NOVAES


O ESTADÃO - 20/01/12

Afinal a Organização das Nações Unidas (ONU) divulgou, em 19 paginas, seu documento preliminar sobre a conferencia mundial Rio 20, a realizar-se em junho no Rio de Janeiro. O texto O Futuro que Queremos estão repleto de boas intenções, mas quase vazio de meios concretos, especificos, para a sua realização - reforçando os temores de tantos estudiosos, muitos deles já ¡mencionados neste espaço, de que a conferência venha a ser um malogro, ou apenas um espaço para palavras, sem conseqüências práticas.

O documento reafirma "a determinação de livrara humanidade da fome", por meio da" erradicação de todas as formas de pobreza". E assume o compromisso de "lutar para que as sociedades sejam equitativas e inclusive", de modo a atingirem "estabilidade eco´micaecrescimento que beneficie todos".

Também reitera o desejo de atingir, em 2015, os "Objetivos do Milênio", que incluem essa erradicação da pobreza, a universalização do saneamento básico (do qual estão exclusão dos 40% da humanidade), rendam anima para todos (hoje 40% vivem abaixo da "linha da pobreza"). E que os paí­ses industrializados cumpram o compromisso, assumido na Rio-92, de ampliar de 0,37% de seu produto interno bruto (PIB) para 0,70% a ajuda aos países em desenvolvimento, para que se atinjam os objetivos - atualmente a ajuda ao de 0,30%, inferior de 20 anos atraí, e pouquí­ssimos aos cumpriram o que assumiram.

Complicadíssimo. O próprio documento reconhece que hoje nada menos que 1,4 bilhão de pessoas vivem na pobreza; que 1,6 bilhão são subnutridas, sob a ameaça de pandemias e epidemias "onipresentes"; que o "desenvolvimento insustentável" agravou o estresse na área dos recursos naturais.

Por isso tudo e muito mais, diz o documento, o desenvolvimento sustentável é um" objetivo distante" - e a "governança global" dessa sustentabilidade é exatamente um dos temas centrais da conferência, juntamente com a "economia verde". Ainda mais que a ONU pressupõe, para chegar a esses objetivos, que haja "participação da sociedade nas decisões",a qual,por sua vez,depende de "acesso à informação".

Pressupõe até a inclusão, nas estratégias, do que está escrito na Declaração dos Direitos dos Povos Indígenas.

Da mesma forma, exige eliminar barreiras comerciais e subsídios, eliminar o "gap tecnológico" entre países desenvolvidos e os demais,criar até 2015 indicadores para avaliar as transformações, tendo ainda em conta que crescimento do PIB dos países é um indicador considerado insuficiente, porque não leva em conta fatores sociais e ambientais.Sem esquecer que tudo isso deverá estar no âmbito de uma" governança ambiental internacional", que pode exigir até a criação de uma agência especializada da ONU.

E vai por aí o documento das Nações Unidas,e numerando objetivos como reduzir o desperdício de água no mundo,planejar e implantar "cidades sustentáveis", impedir a perda da biodiversidade e a acidificação dos oceanos, proteger estoques pesqueiros ameaçados, combater a desertificação na África,a de posição de lixo eletrônicos e de plásticos no mar. E,em meio a isso tudo, reduzir os subsídios para combustíveis fósseis,para proteger a agricultura dos países centrais, para sustentar a pesca predatória.

Assim como duplicar a porcentagem de energias renováveis na matriz mundial.

Este último item remete ao relatório recente da Agência Internacional de energia, lembrando que o aumento de 5% no consumo de energia primária em 2010 levou a novo"pico" nas emissões de dióxido de carbono, graças inclusive aos subsídios ao consumo de energias derivadas de fontes fósseis, que estão em US$400 bilhões anuais.Ainda assim,1,3 bilhão de pessoas não têm acesso à energia elétrica.E os cenários traçados para o período que vai até 2035 chegam a prever um aumento de um terço na demanda de energia,mantida a previsão de aumento de 1,7 bilhão de pessoas na população mundial nesse período e crescimento médio anual de 3,5% do PIB - 90% do aumento estará fora dos países industrializados.

Tudo isso exigirá investimentos de US$ 38 trilhões em25 anos,principalmente em estruturas para transporte de energia.O consumo de combustíveis fósseis deverá baixar apenas dos 81% totais de hoje para 75%. As energias renováveis - principalmente hidrelétrica e eólica - responderão por 50% da capacidade que será adicionada.

Num quadro tão difícil,com as dificuldades da conjuntura econômica mundial, a pouca praticidade dos objetivos da convenção tem gerado críticas fortes. O renomado economista Jeffrey Sachs, da Universidade de Colúmbia, tem dito que a conferência do Rio" deve servir para admitir duas décadas de fracasso no campo ambiental";para reconhecer que "não há propostas para a crise"; que "o lobby da indústria de energia venceu Obama" (Estado, 18/11/2011). Suzana Kahn, que representa o Rio de Janeiro na conferência, admite que há "um grande risco de a Rio+20 ser um eventos em conseqüência nenhuma", já que "não tem nada prático que vá sair do encontro" (Estado, 21/12/2011).

Muito mais complexa ainda é a questão levantada pelo teólogo Leonardo Boff, ao lembrar que sustentabilidade é tema muito abrangente:" É toda ação destinada a manter condições energéticas, informacionais, físico-químicas que sustentam todos os seres, especialmente a Terra viva, a comunidade de vida e a vida humana" - e ainda assegurando os direitos das gerações futuras.

Meio ambiente,diz ele,não é" algo secundário e periférico". Que fará a Rio+20 para abrir caminhos que assegurem tudo isso? Como haverá também,paralela à conferência do Rio,uma Cúpula dos Povos por Justiça Social e Ambiental, certamente se dirá que esse avanço da consciência social poderá abrir caminhos para transformações políticas que levem à superação das lógicas apenas financeiras no mundo - e ao desejado desenvolvimento sustentável. Difícil, mas não é impossível.

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