quarta-feira, dezembro 21, 2011

Um resultado chamado pecado - ALEXANDRE SCHWARTSMAN


FOLHA DE SP - 21/12/11

Os 18 leitores já sabem minha visão sobre a natureza da crise europeia: mais que uma questão fiscal (que existe, mas é fruto, não causa, da crise), as crescentes tensões na continente refletem um problema de competitividade das economias periféricas relativamente às centrais. Isto dito, é necessário explicar o que entendo por “competitividade”, sem o que corremos o risco de entrar novamente numa discussão moral sobre as “formigas” que promoveram reformas e as “cigarras” que as empurraram para o Dia de São Nunca.

De fato, quando explicito meu argumento é comum ouvir alguma afirmação do gênero: “o trabalhador alemão é muito mais produtivo que o italiano/espanhol/etc, e não há como economias tão desiguais competirem no contexto de uma moeda comum”. Tipicamente este tipo de colocação sugere que a superioridade germânica seria de tal ordem que, na concorrência com as demais economias europeias, a Alemanha sempre sairia à frente, como expresso na acumulação de enormes superávits externos às expensas de seus parceiros da Zona do Euro.

Entretanto, este tipo de afirmação não sobrevive a um exame mínimo dos dados. Segundo o FMI, no período imediatamente anterior à adoção do euro (1995-99), já com as taxas de câmbio alinhadas para a unificação, os países periféricos apresentavam um superávit externo da ordem de US$ 15 bilhões/ano, contra um déficit de US$ 19 bilhões/ano registrado pela Alemanha. Independente dos sinais do balanço externo, porém, eram resultados modestos relativamente ao tamanho das economias envolvidas.

A partir da adoção da moeda comum a coisa mudou de figura. A periferia registrou déficits próximos a US$ 67 bilhões/ano contra superávits alemães na casa US$ 96 bilhões/ano de 2000 a 2008. Entre 1999 e 2008 a periferia viu seu déficit saltar US$ 163 bilhões (de US$ 13 bilhões para US$ 176 bilhões), enquanto o superávit teutônico aumentou cerca de US$ 273 bilhões (de um déficit de US$ 27 bilhões para um superávit de US$ 246 bilhões).

À dramática alteração no seu balanço externo correspondeu considerável apreciação da taxa de câmbio na periferia relativamente à Alemanha. Dado que a moeda é comum, isto poderia parecer um contrassenso (como um euro espanhol poderia se apreciar relativamente ao euro alemão?), mas não é, pois as taxas de inflação no período que se seguiu à adoção do euro foram consideravelmente distintas.

Assim, entre 2000 e 2007 a inflação na periferia foi de 5% (Itália) a 14% (Grécia) mais alta que na Alemanha, o que corresponde à apreciação do câmbio real. Não por acaso as cinco economias com maior diferencial de inflação com relação à Alemanha naquele período são também as economias que hoje enfrentam a crise mais aguda.

A queda nas taxas de juros da periferia que se seguiu à unificação monetária levou à forte expansão da demanda interna nestes países, liderada no caso grego pelo governo e nos demais pelo setor privado. Isto se traduziu em redução do desemprego na periferia e pressão sobre os salários (e inflação), pois os trabalhadores do centro não migraram para lá.

Com a crise de 2008 e a conseqüente reversão dos ingressos de capitais, a periferia se viu obrigada a restaurar a competitividade perdida, isto é, desvalorizar o câmbio, o que, sob a moeda única, teria que ocorrer pela queda dos preços internos relativamente aos alemães. Todavia, com a baixa inflação alemã, torna-se necessária deflação na periferia, um remédio amargo quando preços e salários não são flexíveis e quando a migração para o centro também não é uma alternativa viável, pois requer elevação apreciável do desemprego.

A perda de competitividade não foi, pois, um pecado da periferia, mas resultado da lógica da integração monetária. O desafio é recuperá-la sem romper com esta mesma lógica, ainda não compreendida pela liderança europeia.

Feliz Natal, bom ano e até janeiro!

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