terça-feira, dezembro 06, 2011

Notícias da Europa - JOÃO PEREIRA COUTINHO


FOLHA DE SP - 06/12/11

A ideia de Angela Merkel é transformar cada capital da zona do euro em pequenos governos de Vichy


1. AMIGOS BRASILEIROS estão preocupados com a crise europeia. E alguns, mais à esquerda, estão preocupados com os efeitos da crise na social-democracia. Olham para a Europa e que veem eles?
Governos de esquerda a serem varridos do mapa com uma brutalidade feroz. Como explicar o fenômeno?

A culpa é da especulação dos mercados financeiros, dizem eles; ou, melhor ainda, da ideologia "neoliberal" que está a matar o Estado de bem-estar social. Por isso eles estão solidários com as populações revoltosas que protestam nas ruas contra as "políticas de austeridade".

Fico comovido com essas exibições de solidariedade brasileira. Como ficaria comovido com exibições de solidariedade chinesa ou indiana. Explico por quê: durante meio século, a Europa construiu o seu Estado de bem-estar social, não apenas porque crescia economicamente -mas porque o resto do mundo não crescia nem ameaçava a sua supremacia.

Hoje, o mundo descentrou-se; e o poder, a começar pelo poder econômico, tem abandonado o Ocidente (leia-se: a Europa e também os Estados Unidos), deslocando-se para outras paragens.

Quando a economia chinesa cresce, em média, 9% ao ano desde a década de 1970, ou quando a Índia promete crescer, no futuro próximo, uns aterradores 10%, dá para entender que não há dinheiro que chegue para sustentar o "modelo social" que a Europa inventou.

Exceto, claro, pela dívida: como escrevia recentemente o historiador português Vasco Pulido Valente, a esquerda europeia ainda tentou salvar o "modelo social" pelo endividamento. Azar: arruinou a Europa e arruinou-se com ela.

Quando os meus amigos se solidarizam com os europeus que protestam contra os cortes no 13º salário, eles estão a defender, implícita e inconscientemente, que o Brasil e os restantes "emergentes" deixem de emergir.

Estão a defender, no fundo, que o Brasil e os restantes "emergentes" regressem à pobreza do passado para que a Europa possa continuar a comer brioches.

Tanto amor comove.

2. O governo de Vichy, que existiu na França ocupada pelas tropas nazistas entre 1940 e 1944, não era totalmente destituído de poderes. Podia legislar em matérias "domésticas" desde que isso não pusesse em causa a autoridade do Terceiro Reich, que de fato governava o país.

Na próxima sexta-feira, em mais uma cúpula decisiva para salvar o euro e a União Europeia, Angela Merkel e o pequeno Sarkozy vão propor uma "união fiscal" que consagra, em tons mais moderados, esse velho arranjo de Vichy: os Estados membros podem tratar dos seus assuntos menores, com certeza; mas, em matéria fiscal e orçamental, Bruxelas e Berlim terão sempre a primeira e a última palavra.

A ideia de Merkel é transformar cada capital da zona do euro em pequenos Vichys.

Resta saber se os parlamentos nacionais dos Estados membros aceitam esse papel decorativo num hipotético Quarto Reich. Perspetivas otimistas. Na Europa de hoje, há muitos Pétains e poucos De Gaulles.

3. Mas nem tudo são más notícias. Hoje mesmo, leio na imprensa portuguesa que Viena se prepara para abrir o primeiro curso superior em Sexualidade Aplicada. O objetivo do curso é ensinar os alunos a serem melhores amantes, o que implica um detalhado programa de estudos teóricos e, sobretudo, práticos.

Na teoria, a diretora da International Sex School elenca algumas das disciplinas: posições sexuais, técnicas de acariciamento, características anatômicas.

Na prática, os alunos terão à disposição um dormitório onde, para além das atividades habituais, como dormir ou comer, poderão fazer as suas lições de casa, como dormir com, ou comer os, colegas.

Isso sempre aconteceu nos dormitórios universitários? Verdade. Mas não tinha caráter compulsório nem dava direito a diploma. Além disso, e para quem cursou Letras (é o meu caso), não vale a pena fazer comentários sobre a qualidade estética do material. A escola austríaca promete rigor na seleção dos candidatos.

Infelizmente, a diretora é omissa sobre os critérios de avaliação durante o curso. Haverá exames? Em caso afirmativo, serão exames escritos ou, suspeita minha, essencialmente orais?

Aguardemos por mais esclarecimentos.

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