sexta-feira, outubro 21, 2011

RUY CASTRO - Manhã de sol


Manhã de sol
 RUY CASTRO
FOLHA DE SP - 21/10/11

Num dia de semana, cedinho, o jovem de cabelo preto e duro de gomalina, vestido de alto a baixo pela última "Vogue" e com a pele conspicuamente branca, posa para fotografias na praia do Leblon, quase deserta àquela hora. Um anúncio ou editorial de moda, talvez. A poucos metros, a estátua do falecido colunista Zózimo Barrozo do Amaral parece se divertir com a cena.
O rapaz é um famoso modelo que não identifico. Deve ser famoso porque uma produtora o abana, outra o protege com um guarda-sol e uma terceira toma sol por ele na pose que ele fará na foto. Há uma maquiadora que lhe enxuga a testa e retoca o nariz. O fotógrafo é cheio de banca, e tem um assistente que arrasta o equipamento pela areia e um iluminador que altera a posição do rebatedor a cada gesto do chefe, o qual olha para o Sol e parece discutir com ele.
No calçadão, dois homens de preto asseguram que as grandes massas não tomem a praia de assalto para disputar pedaços de roupa ou fios de cabelo do rapaz, embora até agora ninguém tenha tomado conhecimento de sua presença.
O fotógrafo, enfim, se decide: sem rebatedor. Faz um sinal para as produtoras, e estas se aproximam do rapaz e lhe atiram copos de água no peito da camisa. Pergunto a um segurança o porquê e ele me explica: é para dar a impressão de que o rapaz acabou de sair do mar. Hmmm. Mas como alguém sai do mar com a camisa molhada e as calças secas?
Não importa. Fico besta com a profissionalização da praia. Na pré-história, só os vendedores de mate e limãozinho trabalhavam nela. Hoje, para a singela operação de fotografar um sujeito molhado, são necessárias nove pessoas. O que significa nove cachês, nove bocas alimentadas, talvez nove louras felizes. Tudo isso serve para movimentar a economia. Ali não tem tsunami, só marola. 

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