domingo, outubro 16, 2011

MARTHA MEDEIROS - Artistas anônimos


Artistas anônimos
 MARTHA MEDEIROS
ZERO HORA 16/10/11

Uma carreira sólida (não os 15 minutos de fama) se constrói também com um fator aleatório que faz toda a diferença: sorte

Ter um espaço para escrever em jornal e uma editora para publicar meus livros é uma sorte, e não apenas consequência do talento. Cada vez que leio um texto num blog, que vejo uma pintura de alguém que expõe na rua ou ouço um cara tocando num boteco sombrio, sei que é quase certo que eles não encontrarão mercado para expandir seu público, não terão a chance de viver do seu dom. E, inevitavelmente, penso na loteria que é essa tal de vida artística.

Assisti dias atrás ao filme Riscado, de Gustavo Pizzi, que já recebeu alguns prêmios em festivais. É a história de uma atriz, interpretada pela ótima Karine Teles, que sobrevive de bicos na noite de uma metrópole.

Ora ela interpreta Marylin Monroe cantando Happy Birthday para octogenários, ora ela se fantasia para distribuir panfletos em bares, ora canta na calçada para atrair fregueses para um salão de beleza, ora faz telegramas ao vivo. Tudo muito digno – e deprimente. Ela é uma atriz. Uma boa atriz. Mas como saberão que ela é uma boa atriz? No filme, ela integra o elenco de uma peça precária, a que só os amigos foram assistir.

O seu palco, mesmo, é na festinha dos outros, onde ela faz uma breve aparição e depois some sem que ninguém mais lembre dela. Terminado o “expediente”, ela acende um cigarro e vai para a fila do ônibus, enquanto aguarda o telefone tocar com alguma proposta mais animadora, que a tire desse mundo da figuração. Até o dia em que surge a oportunidade de trabalhar numa produção internacional, com papel fixo e importante. Mas será que existe mesmo conto de fadas?

Há os que poderiam bailar lindamente, se pudessem frequentar uma escola. Os que poderiam cantar, pintar, ser atletas, estilistas ou músicos, não tivessem que se dedicar a um “trabalho normal” para ajudar nas despesas da casa.

E há os que, mesmo frequentando perifericamente o mundo em que sonham entrar, como a personagem do filme, mantêm-se à margem até o fim dos dias, sem um minuto de protagonismo, sem jamais ver seu nome nos créditos.

O que é que define a trajetória de um artista? Levando-se em conta que ele entende mesmo do riscado (daí o título do filme) e que é um sujeito responsável e de caráter, o que mais precisaria acontecer? É uma pergunta que milhares de candidatos ao reconhecimento se fazem, mas não há uma resposta exata.

Uma bailarina do Faustão será chamada um dia para o elenco de um musical? E estando nesse musical, evoluirá depois? A primeira vez que vi Claudia Raia, ela tinha 16 anos e dançava na montagem brasileira de A Chorus Line.

Acabou virando uma grande estrela. Pelo talento, óbvio, e por conspirações cósmicas que ninguém explica. Uma carreira sólida (não os 15 minutos de fama) se constrói com carisma, perseverança, presença de espírito, facilidade de se relacionar, inteligência, dedicação, disponibilidade, bagagem cultural e com um fator aleatório que faz toda a diferença, mencionado lá no início do texto: sorte. A sorte de alguém colocar o olho em você e apostar.

Loteria.

Um comentário:

  1. Este texto da Marta Medeiros é um incentivo à conquista de seus objetivos. Mesmo que o fator falta de sorte esteja a favor.

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