quinta-feira, outubro 06, 2011

GILLES LAPOUGE - O retorno do Kremlin hostil


O retorno do Kremlin hostil
GILLES LAPOUGE 
O Estado de S.Paulo - 06/10/11

O Ocidente perscruta com lupa todos os sinais que emanam de Moscou. E alguns deles preocupam
Depois que Putin anunciou seu retorno ao Kremlin em 2012, rebaixando seu protegido, o moderado presidente Dmitri Medvedev, à humilde função de primeiro-ministro, os ocidentais perscrutam com a lupa todos os sinais que emanam de Moscou. E alguns deles os preocupam.

Primeiro alerta: na terça-feira, a Rússia acompanhou a China e vetou uma resolução da ONU que denunciava a repressão da revolta democrática contra o regime despótico da Síria. No entanto, os ocidentais tinham tomado o cuidado de abrandar o teor do seu texto a ponto de o representante russo à ONU ter mostrado certas veleidades de abstenção. Depois de um telefonema para Moscou, no entanto, escolheu o veto. Assim, a solução do drama sírio encontra-se inexistente.

Mas há algo mais inquietante: a Organização do Tratado do Atlântico Norte (Otan) acaba de declarar em alto e bom som sua surpresa com a concentração de tropas diante dos bálticos, Estônia, Letônia e Lituânia, que, em 2004, aderiram à Otan e à União Europeia. Com certeza, esse aumento do número de tropas das forças russas ao longo dos "taludes da Europa" não pode ser imputado unicamente a Putin porque se trata de uma ação de longo prazo, iniciada há cerca de dois anos.

Entretanto, diante do retorno anunciado de Putin ao Kremlin, hoje essa medida pode ser percebida como a prova de que a aparência mais policiada, mais liberal, mais civilizada da Rússia de Medvedev não passava, indubitavelmente, de uma maquiagem sedutora por baixo da qual a Rússia de Putin, da antiga URSS e de toda a eternidade continuava fazendo suas velhas caretas.

Escalada. O reforço enviado aos exércitos russos na proximidade dos bálticos é impressionante: em 2009, os russos mantinham na região 16 mil homens. Em 2010, 26 mil homens. Em2011, a 26.ª Brigada de Mísseis, situada em Luga, perto de São Petersburgo (antiga Leningrado), tornou-se a primeira unidade de combate a receber mísseis SS-26 Iskandler-M, de curto alcance, mas com capacidade nuclear.

Ao mesmo tempo, mísseis antitanques S-300 e S-400 foram deslocados da região de Moscou para a região de São Petersburgo. E a Brigada de Infantaria Naval 336 da esquadra russa do Mar Báltico aumentou seus efetivos em 50%.

Os estrategistas do Ocidente procuram explicar esSa nova disposição. Eles lembram que, em 2008, depois que a Rússia lançou seus exércitos contra as fronteiras do sul, na Geórgia, os países bálticos, no flanco noroeste da Rússia, tinham dado sinais de nervosismo. O reforço militar não seria então uma clara manobra de intimidação pela excessiva irritação desses Estados? Outra explicação é que a Rússia continuaria alarmada com os projetos, nunca abandonados, de instalação de um escudo antimísseis da Otan no Leste Europeu.

Todas as chancelarias ocidentais estudam cada suspiro que sai da fortaleza do Kremlin, desde que Putin decidiu voltar a se instalar ali. Seja por meio de Obama quanto principalmente de Sarkozy, o Ocidente teria preferido com toda clareza em Medvedev a Putin. Hoje, percebe-se que Putin nunca deixou o cargo. A França retorna assim, não sem certa apreensão, à época (2007) em que Sarkozy havia declarado aos quatro ventos (com audácia ou com arrogância) que não gostaria de "apertar a mão de Putin". / TRADUÇÃO ANNA CAPOVILLA

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