quinta-feira, outubro 13, 2011

CONTARDO CALLIGARIS - As fãs de Justin Bieber


As fãs de Justin Bieber 
CONTARDO CALLIGARIS 
FOLHA DE SP - 13/10/11

Bieber é o "date" ideal para a idade em que "frisson" do sexo é tentar descobrir quem já beijou e quem não


Percorri autobiografia e biografia de Justin Bieber. Também brinquei com dois livros de jogos para as fãs do cantor testarem seus conhecimentos.

Continuo não fazendo a menor ideia de quem seja realmente Justin Bieber, mas constato que sua imagem é uma caricatura bom-mocista: o "date" com o qual os pais sonham para as primeiras saídas de suas filhas. Por isso mesmo, aliás, é curioso que ele suscite paixões avassaladoras entre as meninas.

Uma amiga, com quem comentei a febre Bieber, observou que, quando éramos adolescentes, os pais nunca gostavam de nossos ídolos do rock e do pop: aos olhos deles, eram influências que nos levariam à perdição.

Como eles aprovariam Elvis, com aquele rebolado que já era um ato sexual? E todos os que eram drogados, rebeldes, andarilhos do amor livre? E os Stones, juntando a lascívia de Elvis, a rebeldia e as drogas?

E o figurino de Gene Simmons, do Kiss, hein? Entre os Beatles, os pais desconfiavam de John, George e Ringo, enquanto Paul era mais palatável. Engraçado, Paul era justamente aquele que encantava as meninas mais jovens -as que hoje adoram Justin Bieber. Ao longo dos anos, os pais não mudaram: eles continuam preferindo que as filhas gostem mais do modelo Justin que do Elvis. Tampouco mudaram os adolescentes propriamente ditos, que, hoje, acham Justin Bieber insosso, exatamente como nós o teríamos achado, quando adolescentes. Mas algo mudou, sim: chegou uma nova onda de consumidores (e sobretudo de consumidoras) de pop, mais jovens do que no passado.

A base dos fãs de Justin Bieber é composta de meninas entre 10 e 13 anos (cronológicos ou mentais), ou seja, meninas na fase na qual, aos olhos dos outros e delas mesmas, o corpo adquire novas formas e significações, que elas reconhecem como eróticas sem saber direito o que isso quer dizer (e ainda menos o que dá para fazer com isso).

As meninas dessa idade são invadidas por sensações, fantasias e pensamentos que são enigmáticos para elas mesmas, mas cuja premência as leva a imaginar que elas (e só elas) conhecem na pele os frêmitos do amor e do desejo.

As meninas de nove anos podem achar Justin um pouco bobo. As de 14-15, também. Mas, para as que estão entre esses dois extremos, Justin é milagroso: ele responde ao confuso despertar de sentimentos de suas fãs, permitindo-lhes acreditar em sua maturidade amorosa sem que elas sejam ameaçadas pela brutalidade inquietante do amor e do erotismo adultos. Ele é o namorado ideal para a idade em que o "frisson" do sexo é discutir no MSN quem é ainda BV e quem não é mais (para quem não sabe: BV é boca virgem, que nunca beijou). Como Bieber consegue essa façanha?

Justin Bieber é para crianças. José Simão, na sua coluna na Folha, aproximou o cantor do Toddynho e do chocalho (ambos, em geral, apaziguam as crianças). O mercado confirma: os livros sobre Bieber estão na seção infantil das livrarias.

Agora, ele não pode ser completamente criança: sua imagem deve acarretar uma ponta de transgressão, em dose mínima, sem assustar, mas suficiente para cada menina acreditar que, por amar Justin Bieber, ela está, ousadamente, além dos adultos.

No Google, procure fotografias de Justin Bieber e de Elvis de óculos de sol. O olhar escondido de Elvis dá arrepios, enquanto, digamos assim, os óculos de Bieber são parecidos com as novas sensações de suas fãs, mais obscuros do que escuros.

Enfim, graças a seu rosto infantil (redondo e bochechudo) e graças a uma produção cuidadosa (o incrível corte de seu cabelo), Justin é quase assexuado. As meninas podem sonhar com ele sem que nada as leve a fazer a preocupante descoberta de que elas não sabem quase nada do amor -e do sexo, menos ainda.

Só para sacanear, declarei a uma fã de Justin Bieber que eu acabava de ler, numa biografia do cantor, que, de fato, ele se chama Justino ou Giustino Biberoni e nasceu em Pindamonhangaba. Ela não achou graça. É que o ídolo deve ser familiar o suficiente para não assustar, mas deve também ser outro, bem estrangeiro.
Afinal, é a ele que a menina pede para ser levada embora, longe daqui, longe deste lugar ao qual ela não pertence e onde ela é circundada por adultos que não entendem nada, porque, diferentes dela, eles não sabem nada do sexo, do amor e da paixão.

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