terça-feira, setembro 13, 2011

RAIMUNDO COSTA - Juntando e contando as "garrafas"


Juntando e contando as "garrafas"
RAIMUNDO COSTA
VALOR ECONÔMICO - 13/09/11

Quem sabe contar e identificar as "garrafas" do PT está impressionado com a profundidade do desconforto do partido com a aproximação de Dilma Rousseff em relação a Fernando Henrique Cardoso. Incômodo que chega a ser palpável, mas nunca ou raramente declarado, mesmo nas conversas entre seus dirigentes. A carta de Dilma pelos 80 anos de FHC é considerada "uma traição às bandeiras do PT" entre gente graúda da sigla.
Por "bandeiras do PT" entenda-se o discurso eleitoral que Dilma tirou do PT, ao classificar FHC como "acadêmico inovador, o político habilidoso, o ministro-arquiteto de um plano duradouro de saída da hiperinflação e o presidente que contribuiu decisivamente para a consolidação da estabilidade econômica". Ao reconhecer os méritos do governo FHC, entre outros elogios pessoais, Dilma tirou o discurso pronto e fácil da herança maldita deixada pelos tucanos.
Uma explicação: "contar as garrafas" é como o núcleo original que fundou o PT se referia aos votos que dispunham cada uma de suas tendências nos Congressos e eleições internas do partido. É o PT profundo, saído das fábricas de São Bernardo do Campo. O PT que não deixou de registrar que o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva voltou a encostar no PT, numa reação quase automática ao movimento de Dilma em direção a FHC.

Lula encosta no PT após aproximação Dilma-FHC
Exemplo: vindo de uma viagem pela América Central e Bolívia, Lula foi direto para o 4º Congresso Nacional do PT, realizado entre os dias 2 e 4 deste mês, em Brasília. Outro: o discurso de exaltação a José Dirceu que Lula fez no Congresso. Dirceu entrou na fala de Lula como o índio em samba enredo de Carnaval.
Lula encaixou Dirceu em meio a uma de suas costumeiras críticas à imprensa: "Eu li num jornal esses dias que ia ter a nota de apoio ao Zé Dirceu, com meu aval", disse o ex-presidente. "Ninguém pediu aval a mim. Portanto, o jornal mentiu. Mas já que ele [Dirceu] está aqui agora, tem o meu aval a nota", afirmou.
Dirceu foi ovacionado no 4º Congresso, numa demonstração de que a cada denúncias contra o ex-ministro o PT reage instintivamente a seu favor. Na semana do Congresso, Dirceu fora acusado de montar em Brasília uma espécie de "gabinete paralelo", onde despacha ministros, dirigentes de estatais e parlamentares.
Além de abraçar seu ex-chefe da Casa Civil, Lula ontem de manhã se reuniu com deputados federais e dirigentes do PT, em São Paulo, para discutir a reforma política - um arranjo casuísta entre PT e PMDB, que entre outras coisas prevê o financiamento misto (estatal e privado) das campanhas eleitorais e a convivência entre o voto em lista fechada, proposta do PT, com o "distritão", uma invenção do vice Michel Temer (PMDB).
Mesmo desconfortável com a distensão patrocinada por Dilma na relação com o principal partido de oposição, o PT de fato afinou na resolução de seu 4º Congresso Nacional. Nas discussões preliminares havia espaço para uma versão menos solidária com a presidente Dilma Rousseff. A ideia era apresentar uma "agenda própria", descolada do governo.
O PT fez uma "agenda própria", mas não tão descolada quanto pensaram dirigentes. Ainda assim o partido manteve na resolução a defesa da criação de um marco regulatório da mídia, assunto que esfriou durante o governo Dilma.
Antes da abertura do Congresso, o deputado Rui Falcão, presidente do PT, esteve com Dilma e avisou a presidente sobre a resolução. Saiu da conversa com a impressão de que, até o fim do ano, o governo manda ao Congresso um projeto de marco regulatório da mídia, conforme narrou depois a dirigentes petistas. Pode ser, mas deve-se registrar que essa não é a cadência da música tocada no Ministério das Comunicações, para onde foi enviado o projeto deixado por Lula de herança para Dilma.
Se causa desconforto no PT, a distensão de Dilma provoca alívio entre os executivos tucanos. Dilma vai a São Paulo esta semana para assinar o contrato pelo qual o governo federal se compromete em transferir recursos para o Rodoanel. Os governos federal e paulista também decidiram retomar a ideia de construção do Ferroanel. Em parceria. Animado, o vice-governador Guilherme Afif Domingos vislumbra a possibilidade da construção de uma linha para trens de média velocidade no trecho Campinas-Jundiaí- Guarulhos, unindo o aeroporto de Viracopos ao de Cumbica.
"O que nós precisamos é de um trem. Se não temos recursos para construir um trem de alta velocidade, o trem-bala, que trafega a mais de 300 quilômetros por hora, podemos fazer um que ande a 180 quilômetros por hora, a R$ 30 a passagem", diz Afif, que deve levar esta e outras propostas a Dilma. Entre elas, uma proposta de mudança na legislação atual das PPPs.
Segundo Afif, já não era sustentável o "tiroteio permanente entre petistas e tucanos". O "perfil de Dilma" permite a distensão, "o de Lula, não" - diz o vice-governador de São Paulo, que já não reza mais na cartilha do DEM, partido que trocou pelo PSD - e por isso perdeu a Secretaria de Desenvolvimento de São Paulo -, partido mais maleável aos projetos do governo federal. "O erro de DEM e PSDB foi querer repetir o PT numa oposição insana, o que o próprio FHC agora percebe e fala", diz.

Raymundo Costa é repórter especial de Política, em Brasília.

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