terça-feira, setembro 06, 2011

JARBAS PASSARINHO - A política e o desconceito de seus executantes

A política e o desconceito de seus executantes
JARBAS PASSARINHO
CORREIO BRAZILIENSE - 06/09/11

No julgamento do político, em vezes várias, ocorre com deplorável generalização a injustiça de atribuir à classe a que pertence o autor o erro ou mero equívoco. Ainda menino, ouvi um deputado honesto condenar, indignado, a generalização. Lido em Webster, ele dizia que era preciso separar a conduta dos homens em sua condição individual, os que viviam da política e os que viviam para a política, como ensinava o grande filósofo alemão.
E acrescentava: há profissões nas quais essa generalização é clamorosa. Se um padre claudica, de imediato se estende a crítica à sua confissão religiosa; se é um soldado ou um oficial, culpam-se os militares; se é um vereador ou deputado que transgride a ética, logo se inculpam os parlamentares, ou seja todos os políticos. Ele tinha razão de indignar-se, porque era íntegro e vivia para a política e não dela.
Conformava-se, porém, com o mau conceito generalizado, tal a dificuldade de defender a classe em que militava há tantos anos, pois mesmo os que o conheciam rendiam-se à condenação, excetuando inteligentemente os poucos que se comportavam como ele, mas insistindo que eram a exceção que prova a existência da regra.
As pesquisas adoram a generalização. Nelas, os políticos aparecem entre os que o povo menos aprova. Não foge à regra a ilustre filósofa Maria Sylvia Franco, professora do Departamento de Filosofia da USP e da Unicamp, em entrevista à revista Veja. Para ela, todos os políticos são venais: "Não há nada mais flexível do que a espinha de um político brasileiro".
Cita exemplos da atualidade, quer no governo, quer na oposição. Os leitores, diante dos fatos, logo lhe darão razão, esquecidos de que os homens (e as mulheres) vivem numa condição humana em que os políticos não se dedicam a um ideal absoluto, como Platão ensinou, mas com a fascinante ironia de Disraeli, que disse ser "a política a arte de governar a humanidade, enganando-a".
Os ministros demitidos do governo Dilma cometeram fraudes, desde a falta de decoro à praga endêmica da corrupção. Idoso apresenta notas fiscais falsas de gastos em motel para justificar as despesas pessoais, em inútil tentativa de simular virilidade. As mesmas fraudes servem ao ressarcimento de despesas com o pagamento de táxi e gasolina para o carro próprio, graças concedidas generosamente antes do aumento recente dos vencimentos realmente pífios, reajustados ao nível de ministro do Supremo Tribunal Federal. Absolutamente indesculpáveis são o recebimento de propinas, sobretudo de empresas contratadas para obras públicas. Quando não para si mesmos, velhacamente destinadas a filhos. Usaram o mandato deliberadamente a depravar as definições de política. A de São Tomás: "A finalidade da política é o bem comum". Fizeram-na para aumentar o bem próprio. Igualmente a clássica da Aristóteles: "A atividade política é a ação do Estado, pela qual cada um, segundo sua condição, pode viver em bem-estar". Nesse caso, a condição é a de parlamentares federais proibidos pela Constituição, desde a posse, de exercer qualquer influência em empresas concessionárias de serviço público. Foram casos individuais que não devem ser atribuídos a todos os políticos, como expressou a citada professora da USP, referindo-se às espinhas dorsais de todos os políticos.
Estranha é a solidariedade aos punidos, inclusive de grupos recebidos como vítimas pelo ex-presidente da República, o que não nos deve surpreender, já que o forte dele nunca foi punir apaniguados, como os mensaleiros prestes a receber o benefício da prescrição do crime. Os defensores dos justamente punidos preferem usar de uma velha mas eficiente manobra: desqualificar quem os puniu.
Não tendo argumento para fazê-lo contra a presidente da República, dizem-na propensa a usar a faxina de punições como princípio de governo. Essa manobra insólita acaba de receber o apoio estranhíssimo de seu próprio partido, que nunca a viu com bons olhos. Num texto de 24 páginas (publicados por O Estado de S. Paulo) destinado a seu 4º Congresso Nacional, o PT argumenta que Dilma se deixa levar pela "conspiração mediática" da oposição para quebrar a unidade da base parlamentar do governo. Em crítica pessoal à presidente, afirma que o combate à corrupção está na reforma política, não na faxina. Clara a sua inspiração do texto dedicado a "quem empreendeu combate implacável à corrupção". Para vencer a batalha da opinião pública, de que culpa a mídia, a quem pune "será preciso desmontar as armadilhas da espiral do cinismo que aceita a corrupção como inevitável".
Tudo conspira, pois, em nossos dias, para mascarar a natureza verdadeira da política. A cada caso escabroso, o máximo com que a sociedade se defende é " graças a Deus " a vigilância da imprensa investigativa. Os políticos são os últimos a figurar na lista. Da generalização, citei a grosseria da professora da USP, Maria Sylvia Franco, que afirmou serem venais "todos os políticos". Max Weber responderia: "Motivos pessoais explicam. Não cesso de advertir que a política nada tem a fazer nas salas de aula. Repito que as virtudes da política são incompatíveis com aquelas dos sábios".

JARBAS PASSARINHO
Coronel reformado, foi governador, senador e ministro de Estado

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