quarta-feira, setembro 14, 2011

GINO OLIVARES - Cortes em ritmo de samba


Cortes em ritmo de samba
GINO OLIVARES
Valor Econômico - 14/09/2011

Bom, agora ficou claro. Foi o samba o responsável pelo corte de juros da última reunião do Comitê de Política Monetária (Copom). É o que aparece registrado na ata da reunião.

O SAMBA (assim, com maiúsculas) em questão é o modelo que foi utilizado pelo Banco Central (BC) para, sob certas hipóteses, quantificar os impactos da deterioração do cenário internacional sobre a economia brasileira. Avanços na modelagem são sempre bem-vindos, mas nesse tipo de modelo é sempre necessário ter em mente suas limitações. De modo geral, os resultados são extremamente sensíveis ao conjunto de parâmetros utilizados (nem sempre estimados) e às hipóteses sobre a evolução das variáveis exógenas ao modelo. Esperamos que no próximo Relatório de Inflação sejam oferecidos maiores detalhes sobre o exercício que fundamentou a decisão do Copom de agosto. Portanto, melhor focar a questão de fundo, isto é, no entendimento do colegiado de que o cenário internacional manifesta viés desinflacionário no horizonte relevante.

O raciocínio do Copom parece ser o seguinte: pelos diversos problemas já conhecidos, as principais economias crescerão pouco nos próximos trimestres e sendo assim, as pressões inflacionárias diminuirão sensivelmente, podendo até virar desinflacionárias. O argumento parece razoável. A realidade mostra que, de fato, essas economias já estão registrando baixo crescimento há algum tempo, mas ele não veio acompanhado de pressões desinflacionárias. Muito pelo contrário. O que se observa em muitas regiões do mundo, e não apenas nas principais economias, é que o "trade-off" entre crescimento e inflação piorou significativamente no período pós-crise de 2008. Resta entender o motivo dessa piora.

Se até agora a desaceleração não gerou desinflação, porque esperá-la no futuro próximo?

A deterioração do "trade-off" entre atividade e inflação é consequência direta das respostas de política econômica ao choque de 2008. As exuberantes expansões monetárias e fiscais que seguiram à crise, tanto nos desenvolvidos quanto nos emergentes, explicaram a recuperação da economia global já em 2009, mas deixaram como legado uma inflação que hoje se mostra menos sensível à diminuição do ritmo de crescimento global dos últimos trimestres.

Mas, se até agora a desaceleração não gerou desinflação, por que deveríamos esperar por ela no futuro próximo? Ainda segundo o Copom, porque nas principais economias haveria espaço limitado para a utilização da política monetária e restrições do lado fiscal. Há bons motivos para duvidar da efetividade de medidas adicionais, mas jamais se deveria apostar na inação das autoridades.

Basta revisar o noticiário de 8 de setembro. Nos Estados Unidos, o presidente do Federal Reserve (Fed, banco central americano), Ben Bernanke, reafirmou que a instituição tem instrumentos para estimular a economia e que estaria pronto para utilizá-los já na sua próxima reunião, ainda neste mês. Da mesma forma, o presidente americano, Barack Obama, anunciou um novo pacote fiscal de US$ 450 bilhões. Já na Europa, Jean-Claude Trichet informou que o Banco Central Europeu (BCE) reavaliou o balanço de riscos para a atividade e a inflação na zona do euro, o que foi considerado sinal de que o banco pode cortar juros no futuro próximo. Aparentemente faltou alguém avisar às autoridades econômicas americanas e europeias que estão sem margem de manobra.

Adicionalmente, reiteradas citações da crise de 2008 por parte do governo ilustram que a leitura desse episódio está influenciando muito as atuais decisões. Fala-se muito que o objetivo é evitar o "erro" de demorar em cortar juros naquele ano. O Valor publicou, segunda-feira, que hoje se sabe que o atual presidente do Banco Central se posicionou desde o início da referida crise a favor da redução dos juros. Ao contrário do que avalia o atual governo, não houve erro na ação do Banco Central. A ação do banco na crise foi impecável. Os erros na condução da política econômica, cujos custos pagamos até hoje, não foram do Banco Central. Como falar de erro de política monetária se o melhor resultado de inflação no acumulado de 12 meses no período posterior à pior crise financeira mundial dos últimos 70 anos foi uma inflação apenas 0,3 ponto percentual inferior à meta de 4,5%?

Por último, e não menos importante, apostas do Copom em contribuições positivas para a inflação brasileira advindas do cenário externo não têm bom retrospecto. Por exemplo, em meados de 2007, e com base nesse tipo de argumentos, o colegiado acelerou o ritmo de cortes para, poucos meses depois, verificar não só que tal contribuição não aconteceu, como também que suas decisões agravaram o cenário inflacionário. Desta vez será diferente? A conferir.

Enfim, estamos vivendo tempos novos; tempos de política monetária em ritmo de samba. Só nos resta torcer para que o samba não se transforme em choro.

Gino Olivares doutor em economia pela PUC-Rio, é economista da Brookfield Gestão de Ativos.

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