segunda-feira, junho 20, 2011

J. R. GUZZO - E a malandragem?


E a malandragem?
J. R. GUZZO
REVISTA VEJA

O Brasil vem se tornando, nos últimos anos, uma espécie de paraíso mundial da tapeação. O grande responsável por mais essa realização nacional é o governo, ou quem manda no governo, com o desenvolvimento de técnicas cada vez mais avançadas e eficientes para convencer a opinião pública de que coisas que todo mundo está vendo não existem - ou que existem coisas que ninguém consegue ver. Isso ajuda, e muito, todas as vezes que aparece uma história feia, que o governo quer esconder, ou quando ele decide fabricar uma história bonita, para mostrar méritos que não tem. Quase sempre a plateia acredita na mágica, bate palmas e diz, nas pesquisas de popularidade, que o governo é ótimo - ou, então, não mostra maior interesse no assunto, nem nas fábulas que a propaganda oficial está lhe contando. Não acredita nem desacredita; apenas não liga. O resultado é que o Brasil, hoje em dia, se transformou num dos países onde é mais fácil para o governo passar qualquer tipo de conto do vigário no público em geral.

E a célebre "malandragem brasileira", onde foi parar? O brasileiro, segundo rezam as nossas lendas, mitos e folclore, gosta de se imaginar no papel do sujeito esperto. (O locutor esportivo Galvão Bueno, homem de reconhecida competência em identificar com exatidão o que o público gosta de ouvir, diz que todo jogador da Seleção Brasileira de Futebol, do goleiro ao ponta-esquerda, é "malandro", sobretudo quando o Brasil está ganhando; é um dos seus maiores elogios.) Mas, se o brasileiro é tão esperto assim, por que está sempre no papel do otário em todo relacionamento que tem com o governo? Por que o ex-presidente da República, por exemplo, tem certeza de que vão acreditar nele quando diz que o mensalão, um dos casos de corrupção mais bem comprovados da história brasileira, simplesmente não existiu? Deveria acontecer o contrário, justamente: o povão, com todo o seu jogo de cintura, não se deixaria enganar por uma conversa dessas. A explicação para o fenômeno pode ter sido sugerida da trinta anos atrás, talvez, pelo samba Homenagem ao Malandro, de Chico Buarque de Holanda. O compositor nos conta, ali, que quis fazer uma homenagem "à nata da malandragem"; foi então à Lapa, mas perdeu a viagem, porque descobriu que "aquela tal malandragem não existe mais". A triste verdade, diz a canção, é que o malandro, agora, é um pobre coitado que "trabalha, mora lá longe e chacoalha num trem da Central". Em compensação, esclarece o compositor, "já não é normal o que dá de malandro regular, profissional, malandro com aparato de malandro oficial". Este aí, sim, conclui o samba: "Nunca se dá mal". Os malandros trocaram de lugar, então? Deve ser isso.

O fato é que vão se multiplicando em ritmo cada vez mais rápido, e com audácia cada vez maior, as histórias milagrosas para explicar todo tipo de coisa que não tem explicação. O clima, no fim, acaba ficando cômico. Uma das demonstrações mais recentes disso foi dada pelo ex-presidente Lula - um dos catedráticos na matéria, sem dúvida. Na sua atual carreira de palestrante para grandes empresas, que a cada negócio fechado o faz subir mais um degrau no mundo dos milionários brasileiros, Lula fez uma conferência para a Tetra Pak, multinacional do ramo de embalagens; recebeu, pelas informações disponíveis, 200000 reais. Não se trata, Deus nos livre, de "consultoria" do tipo que acaba de levar o ex-ministro Antonio Palocci à sua segunda ruína; é só palestra, certo? Mas acabou surgindo, nesse caso da Tetra Pak, uma questão enjoada: a empresa pediu ao ex-presidente que conseguisse uma redução de impostos para as embalagens de leite, e ele se comprometeu a tratar do assunto "com o companheiro Mantega". Estaria certa uma coisa dessas - um ex-presidente receber dinheiro de uma empresa e advogar para que ela pague menos imposto? Perguntado, Lula disse que estava batalhando para "levar leite de qualidade para a casa das pessoas". Ou seja, ele pede a todos que acreditem no seguinte: seu real interesse não foi receber os 200000 da Tetra Pak, nem atender ao pedido da empresa; o que realmente queria era ajudar o povo a comprar leite. Qual é o problema? Alguém aí vai duvidar?

Palocci, como se sabe, caiu pelo conjunto da obra, mas um dos seus piores momentos foi meter-se numa história de devolução de impostos para uma construtora. Deve haver alguma diferença com o caso da Tetra Pak, claro. Qualquer hora dessas talvez nos digam qual é.

2 comentários:

  1. Alberto10:00 AM

    O pior é que os honestos é que acabam pagando a conta por estes desvios do dinheiro dos impostos por um Partido que prometeu ser ético mas que, quando chegou ao poder, rasgou os discursos! O eleitor que se dane... Todos os Partidos fizeram ou farão o mesmo, a menos que o brasileiro que se acha "malandro", deixe de ser otário e faça mobilizações como, por exemplo, contra este "sigilo" dos gastos da Copa 2014, ligando ou mandando mensagens aos políticos nos quais votaram, cobrando também leis mais duras contra a corrupção e a impunidade. Abraço.

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  2. Concordo, Alberto, o que não dá é pra imaginar que isso é coisa de agora. Onde estava o Sr J. R. Guzzo durante o período do Regime Militar, quando VÁRIOS membros civis do Governo Militar enriqueceram ABSURDAMENTE? Citar Chico Buarque como VIDENTE, quando ele estava falando dos ANOS DE CHUMBO nos quais MUITOS viviam, e dos quais ele também saiu ileso e milionário pela capacidade e poder da sua arte chega a ser RISÍVEL. Comparar o enriquecimento do Palocci ao do Delfim Netto, por exemplo, é impraticável, o Delfim deu palestras e consultorias cobrando MUITO mais de 200 mil reais, e deu consultorias auxiliando empresas privadas a ganhar dinheiro de empresas públicas, não o que fez o Palocci, recebendo de empresas privadas em negócios com OUTRAS empresas privadas. De qualquer forma, a busca da DEMOCRACIA só é possível através do CONTROLE PÚBLICO DE TODOS OS GOVERNOS, seja de qual partido for. Quando aprendermos isso, deixaremos de ser IDIOTAS e seremos membros de uma República realmente digna desse nome. A lei PERMITE que o Palocci faça o que fez, TIRAR DINHEIRO DE EMPRESÁRIOS GANANCIOSOS por informação. ACORDA POVO e cobra de TODOS os governos, não só daqueles nos quais tu não votou.

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