sábado, maio 07, 2011

WALTER CENEVIVA - Moral e fontes do direito


Moral e fontes do direito
WALTER CENEVIVA 
FOLHA DE SÃO PAULO - 07/05/11

A impressão é que as técnicas do direito se distanciaram das proposições suportadas sobre os valores morais

SEM A MENOR prevenção contra os excluídos da discussão que desejo provocar, dirijo-me especialmente ao leitor de hoje, entre os 30 e os 60 anos. A intenção consiste em abrir o diálogo para todas as faixas etárias, apenas começando com um grupo menor. O grupo selecionado viveu as transformações radicais pelas quais passou a vida urbana, em todas as classes sociais, na medida em que aumentava a diferença entre a aplicação de conceitos colhidos na moral e em fatos jurídicos.
Alguns trabalhadores profissionais do direito têm reconhecido o distanciamento entre o nível legal e o nível moral na média dos centros urbanos de nosso país, que compõem a maioria absoluta da população. Esse quadro também é encontrado em outras nações de costumes semelhantes aos nossos. O mesmo perfil se mostra quando os agentes públicos impõem normas de sua conveniência política, afrontando direitos da comunidade.
A impressão, facilitada pelas comunicações eletrônicas, é que as técnicas do direito, vinculadas à lei escrita, se distanciaram das proposições suportadas sobre valores morais do ser humano médio. Cada leitor pode fazer sua própria avaliação.
A composição plena do cotejo entre o valor moral médio e a lei, imposta a todos em concreto, vem sendo tentada por estudiosos em várias partes do mundo, mas a rapidez na criação de fatos novos perturba o enquadramento do conjunto.
No segundo decênio do século 21, caminhamos para a consolidação de novos padrões em casa, na escola, no trabalho, no convívio social, em todos os lugares. Mudou a vida de cada indivíduo e da comunidade como um todo. Pensando nisso, Ronald Dworkin, em "A Justiça de Toga" (421 págs., WMF Martins Fontes), situou a questão fundamental de procurar saber "quais pressupostos e práticas as pessoas devem compartilhar" para ser possível dizer que podem "claramente concordar e divergir acerca de sua aplicação".
A súmula dele é clara: "Afirmo que uma proposição de direito é verdadeira se decorrer de princípios de moralidade pessoal e política que ofereçam a melhor interpretação das outras proposições de direito geralmente tratadas como verdadeiras na prática jurídica contemporânea". O art. 927 do Código Civil enquadra-se nessa espécie de legalidade e de moralidade pessoal ao dizer: "Aquele que por ato ilícito causar dano a outrem fica obrigado a repará-lo". Há ocasiões em que a dosagem da reparação chega a ser imoral, quando a interpretação tolera excesso que vai à arbitrariedade, sob argumento de aplicar a lei. Nesse caso, o caminho que pode ser legal é imoral.
O juiz detém o monopólio do poder de coação do Estado, conforme diz Dworkin. Mas o exercício de tal poder, com a transformação dos costumes, está muito sujeito às pressões que os dois outros segmentos do poder constitucional querem exercer e, com frequência, exercem sobre o magistrado, servindo de exemplo a restrição de suas verbas.
Não é só. A ineficácia imputada ao Judiciário é também desculpa para que os dois poderes o exponham ao desapreço do povo. A transformação radical dos decênios enfocados poderá consolidar a reformulação equilibrada do Estado, compondo moral e direito. Um retorno a Dworkin nos ajudará nesse esforço.

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