domingo, abril 17, 2011

MÔNICA BERGAMO - A reestreia de Cissa


A reestreia de Cissa
MÔNICA BERGAMO
FOLHA DE SÃO PAULO - 17/04/11

De volta às novelas e em cartaz no teatro, Cissa Guimarães aos poucos retoma a rotina após a perda do filho caçula

De mãos dadas com o artista plástico Jorge Barata, quem voltou a namorar recentemente, Cissa Guimarães chega ao Teatro Vanucci no shopping da Gávea, no Rio, às 18h de domingo. "Tô reatando uma história antiga. Gosto de ter um parceiro, um homem. Mas não foi nada planejado", diz. Na porta, dá um beijo em Jorge e entra no banheiro feminino. Caminha até a parede onde está um espelho de corpo inteiro e bate na porta. O espelho se abre e uma passagem secreta para o camarim é revelada.

A atriz deixa a bolsa Goyard verde na cadeira e pega uma vela grande. Acende, fecha os olhos e faz uma oração. Coloca a vela ao lado das imagens de santa Clara e santa Bárbara e da foto do filho caçula, Rafael Mascarenhas, de seu casamento com o saxofonista Raul Mascarenhas. Rafael foi morto em julho do ano passado aos 18 anos, atropelado quando andava de skate em um túnel fechado para carros, no Rio.

"Tudo que melhora minha energia, tô dentro. Medito, adoro Nossa Senhora, sou filha de Oxum. Tenho fé, mas não tenho religião. Porque todas no fundo dizem a mesma coisa: olhe pra quem tá do lado. A gente ao mesmo tempo é nada e é Deus. É tudo uma questão de energia, do cosmos", diz à repórter Lígia Mesquita.

Cissa acaba de reestrear a peça "Doidas e Santas", após um mês de intervalo para mudar de teatro. Ela é também uma das produtoras do espetáculo que completou um ano em cartaz e mais de duzentas apresentações. E, há um mês, voltou à TV. Está na novela das sete da Globo, "Morde & Assopra", como Augusta, a dona de um spa onde as pessoas, ao invés de emagrecer, engordam. "Tô reestreando na vida."

Enquanto se maquia para subir ao palco na pele da psiquiatra Beatriz, conta que não sabe como está "conseguindo fazer novela e teatro ao mesmo tempo". "Chego mal lá no Projac [estúdios da Globo] e logo melhoro. Adoro a dinâmica das gravações. E todo mundo me apoia. Outro dia estava bem mal, porque tinha completado o oitavo mês da passagem do Rafa. Pedi ao Papinha [o diretor Rogério Gomes] para me deixar ir embora. Eu vou até onde eu aguento."

A atriz , que completa 54 anos amanhã, diz que está fazendo uma "reavaliação" da vida. "Só quero fazer o que eu tiver vontade. O meu compromisso é com a felicidade, mesmo sabendo que nunca mais serei 100% feliz."

As mudanças físicas não a incomodam muito. "Chegar na casa dos 50 bate. O tônus não é o mesmo, tem as ruguinhas, a menopausa. Mas tem uma coisa bonita que é a maturidade. Você fica amiga do tempo, não luta contra ele." A atriz, que já colocou botox e fez lipoaspiração, é a favor de intervenções estéticas e de tudo o mais que deixe a mulher bonita. "Mas não vou ficar maluca. A gente tem que ter dignidade." O trabalho na peça, afirma, "salvou a minha vida" após a perda do filho. "Fiquei parada só duas semanas logo após a morte do Rafa, porque não tinha condições físicas. Mas ele está em tudo nesse espetáculo, vinha muito aqui. Tenho certeza que ele queria que eu ficasse aqui. Deixou tudo armado para eu ter essa tábua de salvação."

Ela faz questão de frisar que isso não é uma norma. "Para mim, o trabalho ajudou. Isso não é uma regra. Porque essa é uma bandeira que ficou: "Cissa, o exemplo". Eu tô fora!!! Não sou exemplo de superação de nada. É uma dor insuperável. Não se supera a perda de um filho nunca! Estou atada, aleijada e vou morrer assim. Estou aprendendo a viver com uma muleta no meu coração."

Desde que Rafael morreu, Cissa conta que tem feito terapia do luto, por indicação da amiga Patricya Travassos, além de análise. "A terapia do luto me ajudou a aceitar [a morte] e fazer minha conexão com ele. A maneira ocidental como compreendemos a morte é muito ruim, muito errada, que é só aqui. Ao mesmo tempo me ajudou em coisas cotidianas. Assim que você passa pelo trauma, você não sabe se come, se toma banho. Minha terapeuta me ajudou a lidar com as coisas dele, a enfrentar a primeira vez que entrei no quarto."

No começo, lembra, sentiu culpa, como "todas as mães sentem". "Eu pensava: e se eu tivesse pedido para ele voltar pra casa mais cedo naquele dia, falado: "Ai, filho,vamos jantar", se ele tivesse ido viajar, se, se, se... Hoje em dia não tenho culpa. Minha relação com ele era só luz. Rafael era muito especial", diz, com os olhos se enchendo de lágrimas.

Para ajudar a atravessar a fase difícil, ela conta com o apoio dos outros dois filhos, João e Thomaz Velho, de seu casamento com Paulo César Pereio. João, que é assistente de direção de "Doidas e Santas", voltou a morar com a mãe. "Eles são meus companheiros e sabem que, no momento, não estou podendo doar muito." Uma das alegrias do momento, ela conta, é o neto José, de um ano, filho de Thomaz.

"O tempo também é um grande aliado. Porque é exatamente uma ferida. É uma dor que vai cicatrizando. E quando muda a estação dói mais, dá crises de choro em algumas datas. Agora, por exemplo, está chegando o meu aniversário. É uma coisa que me dá uma certa angústia, é o primeiro aniversário que ele não vai estar [começa a chorar]."

Do atropelador, Rafael Bussamra, acusado de fazer racha no local do acidente e não prestar socorro, ela afirma "ter pena". "Não é porque ele atropelou meu filho. É pela pessoa que ele é. Porque podia ter sido um acidente. Fiquei dois meses sem conseguir dirigir porque fiquei com a paranoia de que poderia atropelar alguém. A questão é o que essa pessoa fez, as circunstâncias e como ele reagiu. Não teve um átimo de segundo de dignidade, de consciência de ser humano. E essa mãe [dele]! No auge do caso, tentou corromper os policiais. Como essas pessoas trabalham? Devem morrer de vergonha. Meu filho tá na luz, essas pessoas estão para sempre nas trevas."

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