quinta-feira, abril 07, 2011

MIRIAM LEITÃO - Efeito colateral

Efeito colateral 
MIRIAM LEITÃO

O GLOBO - 07/04/11

O que está errado? O preço do álcool ou da gasolina? O desequilíbrio entre os dois combustíveis exibe uma distorção da economia brasileira que é o enorme subsídio à gasolina. O preço da gasolina vendida às refinarias em 12 de setembro de 2005 era o mesmo R$1,54 cobrado este ano, e o valor do barril de petróleo já oscilou espantosamente nesse período.
Isso segura a inflação, mas por outro lado cria um artificialismo no mercado. O preço não cai quando o petróleo desce, nem sobe quando acontece o contrário. Mas outros produtos que não são vendidos ao público como o nafta e querosene de aviação sobem constantemente, mostrando a hipocrisia dessa política de preços.
Neste momento, o governo vive o seguinte dilema. Ontem, o ministro Guido Mantega anunciou novas medidas para tentar evitar a queda do dólar, mas é exatamente essa queda que tem evitado que a inflação suba mais. A valorização do real cria várias distorções na economia, mas se ela não acontecesse, a inflação subiria. Quando os juros sobem para combater a inflação aí é que o dólar cai mais. Como resposta, o governo fica subindo IOF para deter a queda do dólar. Ou seja, a política econômica está numa armadilha e não sabe como sair.
É neste contexto complexo, de dilemas e do preço artificial da gasolina, que o governo ficou "agastado" com o preço do álcool e ameaçou interferência direta no setor. A União Nacional da Indústria da Cana-de-Açúcar (Unica) disse que não tem nada contra a Agência Nacional do Petróleo (ANP) buscar mais informações sobre o setor e defende inclusive que ela se torne menos uma agência de petróleo e mais de combustíveis mesmo. Isso é diferente de medidas intervencionistas de controle de preço.
- É bom que o governo entenda sim o que se passa no setor e que procure dar os incentivos certos. Por exemplo, nós achamos que com o IPI o governo pode incentivar as indústrias a produzirem motores mais eficientes para o etanol. Isso é bom para o consumidor, porque ficará mais econômico, e bom para o meio ambiente - diz Marcos Jank, presidente da Unica.
Ele disse que o setor foi atingido por uma série de eventos. Primeiro, a crise de 2008 acertou em cheio as empresas produtores de álcool, no meio de um processo de endividamento para expansão; depois, fortes chuvas provocaram uma quebra de safra; em seguida, uma grande seca reduziu em 10% a nova safra.
- Esta semana começamos a colheita da safra e a tendência em três semanas é a queda do preço do etanol. No centro-sul o preço ficará bem competitivo. Mas o mais importante será o setor voltar a crescer. Ele vinha crescendo a 10% ao ano, mas parou para fazer uma consolidação - disse Jank.
Em 2006, houve um aumento muito grande do investimento no setor sucroalcooleiro. Empresas novas entraram no mercado, se endividaram para implantar suas unidades. Quando o dólar subiu e o crédito secou, elas ainda estavam maturando o investimento. Algumas quebraram, outras foram compradas. Grandes empresas entraram no setor comprando as que estavam em dificuldade. É isso que eles chamam de consolidação. A recuperação foi dificultada por duas quebras de safra, uma por excesso de chuva, outra por seca.
Um grande complicador do etanol é que ele é comparado ao preço da gasolina congelado pela Petrobras. A última grande alteração no preço da gasolina vendida pelas refinarias às distribuidoras - descontados impostos e bem antes de chegar aos postos de gasolina - aconteceu em setembro de 2005, quando o preço médio semanal, segundo a ANP, subiu de R$1,42, do dia 5 de setembro, para R$1,54, no dia 12 de setembro. Para se ter uma ideia, o preço médio do último dado disponível, do final de janeiro deste ano, apontava os mesmos R$1,54. A única exceção ocorre entre 8 de fevereiro e 3 de maio de 2010, quando os preços recuaram para a faixa de R$1,47, mas voltaram logo ao patamar de R$1,54.
Já com o querosene de aviação a situação é completamente diferente. Somente este ano, os preços já foram reajustados quatro vezes, com alta acumulada de 28%, segundo o Sindicato Nacional das Empresas Aeroviárias. Em 2009, houve redução de 18%; em 2008, queda de 3,71%. Em 2007, alta de 12,6%; em 2006, aumento de 7%; em 2005, alta de 8,9%. A mesma coisa aconteceu com o óleo combustível, usado para a produção de energia em usinas termelétricas. Em janeiro de 2005, ele era vendido por R$0,50. No mesmo mês de 2006, foi para R$0,80. Alta de 60%. Em janeiro de 2007, caiu para R$0,61; depois subiu para R$1,00, em 2008; caiu para R$0,61, em 2009; subiu para R$0,87, em 2010, e chegou a R$0,96 em janeiro deste ano. Por serem preços "invisíveis", que não são vistos pelo consumidor, a política é outra, seguindo flutuações de mercado.
O vice-presidente do Sindicato Nacional das Empresas Distribuidoras de Combustíveis e Lubrificantes (Sindicom), Alísio Vaz, também acredita que os preços do álcool começarão a cair, mas lembra que a alta foi mesmo forte.
- O álcool hidratado já subiu 31% este ano; o álcool anidro, que é misturado à gasolina, subiu 61%. Este ano houve condições atípicas de oferta e demanda. Em março, sentimos na bomba uma queda de 60% do consumo de álcool hidratado - afirmou.
Ele é a favor de que a ANP se envolva cada vez mais com o mercado de biocombustíveis, mas lembra que nunca houve um período tão prolongado de gasolina congelada.
Se o governo quiser aumentar o imposto para reduzir a exportação de açúcar, pode ter outro efeito indesejado. Açúcar é o quinto produto da pauta de exportação brasileira, com uma receita de US$13 bilhões.

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