sexta-feira, abril 08, 2011

CELSO MING - Deu o que tinha de dar


Deu o que tinha de dar
CELSO MING

0 ESTADO DE SÃO PAULO - 08/04/11

A cotação do dólar mergulhou nesta quinta-feira para R$ 1,586, a mais baixa desde 6 de agosto de 2008, não só porque o ministro Guido Mantega provocou um desastre de comunicação: criou a expectativa de que viria uma bomba cambial e não produziu mais que um traque.
A cotação mergulhou, sim, porque ele reconheceu não ter arsenal contra a excessiva valorização do dólar. Mantega disse que medidas mais vigorosas não poderiam ser tomadas “porque produziriam efeitos colaterais indesejados”. Não falou quais, mas não é difícil apontá-los: (1) se bem-sucedida, a desvalorização do real elevaria a inflação; (2) desestímulos de alto calibre à entrada de capitais prejudicariam os programas de investimento e o abastecimento de capital de giro do setor produtivo brasileiro, num momento em que é preciso avançar no PAC, no pré-sal, nas obras da Copa do Mundo e da Olimpíada e nos programas de infraestrutura; e (3) é preciso que entrem dólares para financiar o rombo das contas externas.
Isso sugere que, até agora, o governo apenas agiu para “fazer alguma coisa”, ao contrário do que vem afirmando Mantega, que todas as medidas tomadas até agora produziram efeito.
O ministro admitiu também que a valorização do real é inevitável. E o secretário executivo do Ministério da Fazenda, Nelson Barbosa, acrescentou nesta quinta-feira que “todas as decisões cambiais já tomadas apenas atenuam a valorização do real”.
Pode-se sustentar o contrário. As 13 decisões tomadas ou para tentar controlar o afluxo de moeda estrangeira ou para restringir as operações de crédito feitas pelos bancos com recursos (funding) levantados por meio de empréstimos externos comprovaram a fragilidade das condições de contra-ataque do governo. E isso, por si só, pode estar encorajando o despacho de capitais para o Brasil.
Além disso, a própria política de controle da volatilidade no câmbio executada pelo Banco Central, que se resume à compra de moeda estrangeira, tirou ou reduziu à insignificância o risco cambial dos aplicadores de dólares no País. Ou seja, a ação do Banco Central, sempre na mesma direção e sempre atenuando os movimentos do mercado, deixa tudo mais previsível para os que fazem arbitragem com juros (operações que jogam com a diferença de juros lá fora e aqui dentro).
Em entrevista à jornalista Angela Bittencourt, publicada terça-feira no Valor Econômico, o ex-presidente do Banco Central Pérsio Arida advertiu que essa política pode estar trazendo mais dólares do que evitando que entrem.
Essas medidas gradualistas, de traque em traque, já deram o que tinham de dar e é preciso de algo mais consistente. O próprio Arida apontou uma saída mais realista: uma vez que a valorização do real é inevitável (e apenas pode ser atenuada), o governo obteria mais eficácia se deixasse a cotação do dólar mergulhar para onde tivesse de mergulhar. Nessas condições, a inflação iria junto, os juros despencariam, as operações de arbitragem com juros perderiam sentido e o câmbio se reequilibraria. Por certo período, a indústria fraquejaria e esse seria o efeito colateral alternativo. No entanto, se, em vez de gastar R$ 50 bilhões por ano apenas no carregamento de reservas externas, o governo usasse metade da quantia para dar escora de emergência à indústria, provavelmente, obteria mais resultado.
Veja, no Confira, o sentido da decisão anunciada na noite desta quinta-feira de aumentar em 1,5% o custo do crédito para pessoa física.

CONFIRA
Crédito mais caro. A cobrança do IOF, que vai de 1,5% para 3% nas operações de crédito para pessoas físicas, anunciada na noite desta terça-feira, pelo ministro Guido Mantega, vai na direção correta de reduzir o consumo e, com ele, a inflação.
Sem aumento dos juros. É mais uma dessas medidas prudenciais tomadas também com o objetivo de não aumentar mais os juros.
Não pega os serviços. O inconveniente dessa decisão é não atingir o segmento dos serviços, que não tem a mesma cobertura do crédito. Vai funcionar? Provavelmente, terá baixo alcance. O consumidor não vai deixar de comprar porque seu crédito aumentou 1,5%.
Surpresas. Dessa vez, o ministro Mantega admitiu que a inflação está mais forte do que o esperado. E mostrou surpresa com a alta dos alimentos. Até agora, repetia que a inflação não era de demanda (consumo alto), mas, sim, de choques de oferta e que os preços dos alimentos cairiam.

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