sexta-feira, março 25, 2011

VINÍCIUS TORRES FREIRE

Previdência, um deficit esquecido
VINÍCIUS TORRES FREIRE

FOLHA DE SÃO PAULO - 25/03/11

HOUVE UM tempo no debate econômico brasileiro recente que discussões amargas sobre o deficit da Previdência eram frequentes: semana sim, semana não. O tom variava da negligência populista ao catastrofismo liberaloide. A gente parece ter esquecido a Previdência, embora o governo, na surdina, esteja para modificar o sistema de contagem do tempo para a aposentadoria, sob pressão das centrais sindicais.
A gente esqueceu do assunto, mas seria bom observar que o deficit da Previdência -a diferença entre a arrecadação e os pagamentos de benefícios- deve ficar em torno de 1% do PIB ou até menos neste ano. No ano passado, segundo o governo, o deficit ficou em 1,17% do PIB.
Algo em torno de 1% do PIB ainda é uma enormidade. Representaria o equivalente a um terço de todo o deficit do setor público (deficit nominal, que inclui a conta de juros, de União, de Estados e de municípios).
Mas a coisa já foi muito pior. Em 2006, o buraco nas contas da Previdência representava o equivalente a 1,8% do PIB. Durante quase todos os anos Lula, o rombo previdenciário como proporção do deficit total do setor público flutuava entre 60% e 70%, em geral. O último ano em que o buraco do INSS foi inferior a 1% do PIB havia sido o longínquo 2001. Faz uma década.
A notícia parece desmoralizar os alertas a respeito do impacto do aumento do salário mínimo sobre as contas públicas. Como se sabe, o piso dos benefícios previdenciários é o salário mínimo. Todo reajuste do mínimo eleva as despesas do INSS.
Mais que isso, parece referendar os argumentos "de esquerda" a respeito das contas previdenciárias. Isto é, parte importante do deficit previdenciário seria devida a:
1) Baixo crescimento econômico. Uma economia maior reduz, obviamente, o peso relativo do rombo previdenciário em relação ao PIB. Uma economia rodando mais rápido tende a criar mais empregos; os tributos sobre os empregos é que financiam as despesas do INSS;
2) Baixo nível de formalização do trabalho. Uma fiscalização mais eficiente, o crescimento das empresas e outras medidas indutoras da legalização de negócios e de relações trabalhistas levariam mais dinheiro para o caixa do INSS;
3) Baixos salários. Salários maiores, inclusive o salário mínimo, tendem a reforçar a receita do INSS;
4) Falta de fiscalização de fraudes e desperdícios, além de excesso de renúncias fiscais para empresas e outros grupos;
5) Efeito da Previdência dita "rural", os benefícios para trabalhadores do campo e/ou interior, que, no conjunto, praticamente não contribuem para o INSS. As aposentadorias desse grupo seriam, na verdade, uma modalidade de assistência a idosos pobres, um Bolsa Idoso.
Não se pode negar que o crescimento, a formalização do trabalho, a alta dos salários e a melhoria da fiscalização reduziram o deficit.
Mas, ainda assim, o rombo é de 1% do PIB. Mas, é preciso notar, o aumento da despesa do INSS foi coberto com o aumento da carga tributária. Mas, um terceiro de muitos "mas", o país vive um momento demográfico favorável; dentro em breve, tende a aumentar taxa de indivíduos aposentados em relação aos que trabalham. Ou seja, mesmo num momento muito favorável, o deficit ainda é grande. Não é catástrofe. Mas ainda é problema.

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