quinta-feira, março 17, 2011

VINICIUS TORRES FREIRE

Reatores e reagentes econômicos 
VINICIUS TORRES FREIRE


FOLHA DE SÃO PAULO - 17/03/11

O IENE, a moeda japonesa, não estava tão valorizado em relação ao dólar fazia décadas. O terremoto que afundou o Japão em crise deu um piparote adicional na moeda deles. O pulo do iene pode afetar também as moedas de emergentes mais fortes, sacudidos e com taxas de juros interessantes -como o Brasil.
O iene se valoriza porque, em tese ou de fato (ainda não se sabe bem), deve haver repatriação em massa de capitais japoneses. Instituições financeiras (bancos, seguradoras etc.) e empresas podem precisar de mais caixa ou de capital para emprestar ou cobrir prejuízos.
Ou seja: 1) japoneses ou residentes no Japão vendem ativos denominados em moedas estrangeiras e compram ativos em ienes, ou simplesmente põem o dinheiro no caixa; 2) multinacionais japonesas remetem mais lucros ou pagam empréstimos para as matrizes no Japão. A procura maior pela moeda japonesa eleva seu preço blá-blá-blá.
O grosso desse dinheiro deve vir de onde há dinheiro grosso, os Estados Unidos, por exemplo. Mas muito investidor e poupador comum japonês coloca seu dinheiro em moedas e ativos de países emergentes, como já se disse, como Brasil, Austrália, Nova Zelândia, África do Sul, onde os juros são muito altos (nós) ou relativamente altos (os demais).
Um relatório dos estrategistas de aplicações em moedas do HSBC (global) apresentou ontem um estudo a respeito dessa repatriação.
Eles mesmos pedem cuidado com as estimativas, baseadas nos melhores dados disponíveis, mas ainda assim longe de perfeitos. Para esse pessoal do HSBC, as moedas que mais sentiriam os efeitos da repatriação (desvalorização) seriam, pela ordem, as de Brasil, Austrália, Indonésia e África do Sul.
Esse pode ser um "canal de contaminação da crise". Por isso, o governo brasileiro deu um tempo na discussão de medidas de contenção do influxo de capital externo. Tal fluxo pode parar sozinho.
Sim, há mais risco de contágio. Um desastre japonês pode causar uma aversão a risco global, congelando fluxos de dinheiro e encarecendo empréstimos internacionais, que chovem torrencialmente no Brasil.
O comércio entre Brasil e Japão é relativamente pequeno, uns 3,5% do total brasileiro. Efeito direto, por aí, haverá pouco. Pode haver queda no preço das commodities e recursos naturais que o Brasil exporta (minérios, grãos, carne)? Num primeiro momento, sim, talvez com a crise de confiança nos mercados, com a retirada temporária de especuladores da praça e com uma desaceleração a princípio breve na produção mundial (um trimestre).
Mas, afora um choque depressivo de confiança no Japão, virá a reconstrução e, como acredita gente como Paul Krugman, até uma retomada econômica japonesa mais forte. Reconstrução demanda materiais (minérios, metais, combustível). O consumo de comida é menos "elástico" -deve cair pouco, se cair.
É preciso ressaltar que pouco se sabe a respeito do desastre no Japão -se haverá desastre além do horror humano. Quanto ao mais visível e palpável, não parece haver motivo para pânico. Por ora. O mundo está muito cheio de problemas (dívidas públicas, bancos ainda podres, economias lerdas, inflações nos emergentes, crise árabe etc.). Enfim, nunca se sabe onde há um reator nuclear financeiro prestes a se fundir.

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