sexta-feira, março 18, 2011

LUIZ GARCIA

Meia-trava
LUIZ GARCIA

O GLOBO - 18/03/11 

Há dois tipos de grandes desastres: os naturais e aqueles em que a culpa é inteiramente nossa. E mesmo em relação ao primeiro grupo não é pequena a responsabilidade humana, no que se refere ao que fazemos ou deixamos de fazer para prevenir desastres ou minorar seus efeitos.

No que se refere à energia nuclear, os acidentes são muito raros - mas tragicamente inesquecíveis. Antes da tragédia de Fukushima, houve apenas a de Chernobyl, em abril de 1986. A explosão do reator ucraniano - equivalente a algo como 400 vezes o efeito da bomba atômica lançada em Hiroshima - gerou uma nuvem radioativa que se espalhou pela União Soviética e atingiu a Escandinávia e o Reino Unido.

O desastre foi causado por uma combinação de erro humano e um defeito no reator. Nunca se apurou com exatidão o número de mortos, entre outras razões porque a contaminação pode ter efeitos só visíveis a longo prazo. Em 2005, um estudo da ONU citou 56 mortes até então - mas admitiu a possibilidade de que o total poderia chegar a quatro mil.

Por enquanto, não há previsões confiáveis sobre os efeitos do acidente em Fukushima. Há dois dias, autoridades japonesas ainda não sabiam exatamente o que fazer para resfriar os reatores. O risco de uma tragédia igual à de Chernobyl não estava afastado.

No resto do mundo, começou o debate óbvio: vale a pena manter e mesmo ampliar as redes de usinas nucleares? Na Europa e na China, governos começaram a fazer inspeções em suas instalações, enquanto suspendiam a concessão de licenças para novas usinas. Não foi essa a reação, por enquanto, do governo americano: há dois dias, o secretário de Energia, Steven Chu, afirmou que está mantido o programa federal de construção de usinas. Acontece que a política energética do governo Obama inclui a construção de uma quantidade de instalações nucleares. O seu orçamento para o ano que vem inclui gastar 36 bilhões de dólares em novas usinas nucleares.

Isso parece deixar evidente que a política energética de Obama está bastante comprometida com a energia atômica, economicamente mais atraente do que as outras, mesmo com o alto custo de construção das usinas. Mas também parece lógico que a opinião pública americana ficaria mais tranquila se o presidente desse uma meia-trava no programa até que saiba exatamente as causas da tragédia de Fukushima. 

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