sexta-feira, fevereiro 25, 2011

PAULO LUDMER

Varrição em energia 
PAULO LUDMER

FOLHA DE SÃO PAULO - 25/02/11

A varrição se ajeita porque há um dócil pagador das contas: o consumidor; se este fechar a torneira, porém, não demora e esse cenário vem abaixo 

Varrer custos para debaixo do tapete do outro é mania nacional oculta nos embates políticos.
A varrição se ajeita porque há um dócil pagador das contas: o consumidor. Se este fechar a torneira, porém, não demora e o cenário vem abaixo, como na derrama da Inconfidência Mineira.
Em energia -onde forças políticas se testam-, o processo se desnuda: vide a luta dos governos do Rio de Janeiro e do Espírito Santo contra a Federação, para não dividir os royalties do petróleo do pré-sal, cuja extração é incerta pelos desafios tecnológicos, ambientais e também financeiros.
Ora, o criador de lixos (custos) é o conluio do Congresso com o Executivo. Em energia elétrica, ambos criaram a incidência de uma dúzia de encargos, por enquanto, de R$ 15 bilhões anuais. Essa quantia basta para financiar a expansão do parque gerador brasileiro com sanidade e vigor. Mas advém de uma coletoria que nivela energia a tabaco, álcool e perfumaria.
No entanto, os encargos continuam criados sobre gêneses jurídicas discutíveis, finalidades superpostas, sem cooptação da sociedade, sem prazos e metas para acabar e sem retornos transparentes.
A disputa pelo tapete do outro também é intestina no governo. Por exemplo: a Aneel (Agência Nacional de Energia Elétrica) arrecada para seus deveres uma porcentagem sobre o faturamento dos kWh absorvidos no país, mas o Tesouro Nacional se apropria de quase metade para o superavit fiscal. O consumidor recebe a fatura total.
A CDE (Conta de Desenvolvimento Energético) segue em boa parte para o Luz para Todos. Mas, por lei, parte desse encargo deveria abastecer os parques de energia eólica, o que não ocorre.
A quase sexagenária Reserva Global de Reversão (RGR), gerida pela Eletrobras, deveria indenizar ativos válidos dos proprietários de concessões. Não há eventos há muito tempo, mas o dinheiro fluiu do bolso do consumidor.
Coletaram-se encargos projetados, ano a ano, conforme o tamanho do mercado de cada distribuidora de energia. O mercado, porém, superou os cálculos e as distribuidoras arrecadaram e embolsaram cerca de R$ 8 bilhões além do previsto, sob regras que vedam seu resgate.
Em Estados nos quais se rouba até 20% dos KWh, apesar dos esforços da Aneel de proteger as distribuidoras, fatias importantes são pagas por todos os demais usuários honestos. Segue obscuro o destino do dinheiro da Cide (Contribuição de Intervenção no Domínio Econômico), que se cobra de consumidores de combustíveis como a gasolina. Seria destinado às obras de transportes, mas as estradas brasileiras vivem em orfandade real.
Enfim, o dreno de tributos e encargos varre custos para todos nós, agenciando contenciosos entre empresários, governos, Estados e regiões, enquanto a patuleia segue pagante. Inconfidência? Basta abandonar o uso de vassouras entre vizinhos, incinerando lixo no colo do governo gerador. 
PAULO LUDMER, jornalista e engenheiro, é professor de pós-graduação na FEI e no Mackenzie.

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