sábado, fevereiro 19, 2011

MANOEL CARLOS

Pais & Filhos
MANOEL CARLOS

REVISTA VEJA - RJ
Quando temos filhos, um dos nossos mais importantes projetos, como pais, é acompanhar o desenvolvimento deles, sem perder um único momento de suas vidas, por mais banal que esse momento pareça aos olhos dos outros: o primeiro dente, os primeiros passos, as primeiras palavras, a primeira papinha, o primeiro tombo... Registramos os pequenos acontecimentos com a importância que o nosso grande amor confere a essas crianças que nos dão continuidade. A continuidade do nosso nome e do nosso sangue. Então, indiferentes aos lucros e perdas da herança genética, esses pequenos progressos nos encantam e nos fazem rir até chorar. Era esse o tema, digamos assim, que ocupava a nossa habitual roda de conversa, na semana passada, no Café Severino.
— Eu, por exemplo, sempre anotei em diários e agendas a evolução de cada um dos meus filhos. E hoje, quando eles deparam com esses registros, se divertem e se emocionam.
Todos palpitaram, sendo que o Norberto, como sempre, acrescentou uma pitada de filosofia popular:
— Pois é, a vida é feita de grandes e pequenos acontecimentos, e os pequenos, muitas vezes, são os mais lembrados. Afinal, como disse alguém de quem não recordo o nome, não se constrói uma catedral sem antes colocar uma primeira pedra.
Experimentávamos, com deleite, um cabernet sauvignon que o Hélio trouxera de Santa Catarina.
— Trouxe uma garrafa para o Renato Machado — disse ele. — É o vinho de São Joaquim, cidade onde eu nasci.
— Depois nos diga o que ele achou.
E voltamos ao tema do dia, eu com a palavra:
— Como esquecer, por exemplo, o primeiro dia de aula da minha filha Júlia? Ela tinha 3 anos, e eu e minha mulher fomos levá-la até a entrada da escola. Estávamos certos de que ela faria uma cena para não entrar. Mas ela simplesmente foi caminhando pela mão da professora, percorrendo um longo corredor, voltando-se apenas para nos acenar, sorrindo, antes de desaparecer.
— Uma criança de 3 anos, assim, tão confiante e segura, é um presente dos céus — acrescentou o Norberto.
— É verdade — continuei eu. — Nós nos orgulhamos de tanta independência, mas me lembro que também ficamos um pouco desapontados. Depois desse episódio, por mais lembranças fortes que eu acumule, a imagem da minha filha de 3 anos caminhando ao lado da professora está sempre presente na minha memória.
Foi aí que o nosso amigo Deodato, o Deo, até então calado, entrou na conversa:
— Se assim nos comportamos com os filhos, desde que nascem e por todo o período de crescimento, procurando não perder nada do progresso que fazem, seria natural que eles também pensassem em não perder nada das nossas vidas, quando envelhecemos. Não acham?
Concordamos, claro, mas um pouco surpresos com o tom de desabafo do nosso amigo, pai de uma jovem de 22 anos, a bela Silvinha. E ele arrematou:
— Minha filha chega em casa e dá bom-dia, boa-tarde ou boa-noite, sem nem olhar na minha cara. Sempre com o celular na mão, mandando e recebendo mensagens, rindo do que lê e do que escreve aos amigos. Depois deixa o celular e vai para o computador. Acho mesmo que, se eu pintasse o meu cabelo de verde, ela nem perceberia.
Rimos, embora sentindo que ele não falava para ser engraçado, mas para mostrar que estava magoado. Antes que o encontro enveredasse pela amargura, o Norberto entrou com sua habitual tirada filosófica, desanuviando:
— Deixa pra lá. Os jovens estão vivendo em tribos que se comunicam através das redes sociais, tal como os índios se comunicavam através dos sinais de fumaça. A internet é a fogueira. Serve para aquecer o convívio virtual.
E o Deo, inconformado:
— E queimar o convívio real.

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