quinta-feira, fevereiro 03, 2011

ALON FEUERWERKER

Uma arquitetura boa

 Alon Feuerwerker
CORREIO BRAZILIENSE - 03/02/11

Notei aqui há duas semanas que o governo Dilma Rousseff estava propenso a economizar na rubrica nos grandes embates legislativos, para não anabolizar a base a um ponto em que os aliados se vissem suficientemente fortes e colocassem o Palácio do Planalto contra a parede.

O ritual de reverência às "reformas inadiáveis" não vai ser deixado de lado no discurso. Mas a tática será outra. É uma tática inteligente, e também prudente.

O ultrarreformismo pátrio sustenta-se numa hipótese: de que, sem as "grandes reformas", o país não vai a lugar nenhum. Será?

O debate não é novo, é recorrente nesta coluna, mas um detalhe talvez mereça maior atenção. É consensual que os últimos anos foram de um governo bem-avaliado. Até por ter sido um bom governo, que combinou crescimento econômico razoável e políticas (salário mínimo e Bolsa Família) agressivas de combate à pobreza.

Interessante é a administração petista ter feito isso sem precisar promover nenhuma mudança radical nas leis herdadas do antecessor governo tucano, tão atacado pelo novo establishment político.

O PT agarrou o manche estatal e colocou para funcionar de acordo com as políticas definidas pelo partido, nas condições concretas da aliança governamental.

O que faz suspeitar de que a arquitetura político-insitucional brasileira talvez não seja tão ruim assim. Afinal, ela permite a alternância eficaz de poder sem limitar insuportavelmente as opções de quem governa.

Imaginem-se as dificuldades de uma situação na qual a alternância precisasse vir acompanhada, a cada quatro ou oito anos, de um pacote de mudanças constitucionais e infraconstitucionais de peso.

Nenhuma democracia resistiria.

A obsessão pelas reformas também ajuda a esconder a inapetência gerencial. Governo muito ocupado com o Legislativo não tem tempo para governar. Palavra que costuma ser sinônimo, nos países normais, de executar o orçamento.

Mas essa política embute também um risco. Se as pessoas - e a opinião pública - têm menos motivo para prestar atenção no Legislativo, será natural que invistam mais energia no acompanhamento do que anda pelo Executivo.

Que precisará, portanto, executar.

A execução, comprovadamente, não era o forte do governo anterior, que apesar disso conseguiu eleger a dita principal responsável pela execução. Funcionaram o prestígio e a popularidade do presidente da República, com o natural desejo de continuidade de um governo bem avaliado.

Nesse ponto, Dilma será ajudada, por ironia, no contraste com a administração que a elegeu.

Outro risco teórico é o Congresso ficar excessivamente "solto", estimulado a buscar uma pauta própria. Em tese, uma coisa bonita. Onze entre cada 10 políticos investem tempo diante de câmeras e microfones para a apologia da independência do Legislativo.

Na prática, porém, costuma ser uma fonte de dores de cabeça para o governo, especialmente para o encarregado de cuidar da chave do cofre.

Congresso solto gosta de gastar. Neste começo de corrida, a pressão será um pouco menor, com a base procurando mostrar serviço para não perder espaço na largada. Mas a hora chegará.

Inclusive porque é sabida a permeabilidade do novo presidente da Câmara dos Deputados a pressões setoriais. Trata-se de uma preocupação do Palácio do Planalto.

Há também a ameaça de CPIs. Mas falta à oposição número para dar a largada nelas, vai depender de conseguir arrastar um pedaço importante da base.

Acontecerá em duas circunstâncias. Uma acusação suficientemente grave e razoavelmente comprovada. Ou uma situação de profundo incômodo nos aliados. A segunda variável é mais fácil de controlar do que a primeira.

Cansaço
Dilma esteve ontem no Congresso, onde falou-se a palavrinha típica das luas de mel ou das grandes crises: "pacto".

Mas nunca serviu para nada.

Governo governa e oposição faz oposição. Uma receita simples e comprovada.

Onde vem sendo praticada há mais tempo com regularidade e sem interrupção, tem tido bastante sucesso.

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