quarta-feira, janeiro 05, 2011

ROGÉRIO GENTILE

Abraço simbólico
Rogério Gentile

FOLHA DE SÃO PAULO - 05/01/11

Lula vai, Dilma vem, mas, a despeito das declarações de amor à ética e aos valores republicanos, nada indica que o novo governo será mais rígido do que o anterior.
A presença de Erenice Guerra na posse, como convidada, é mais que simbólica. Logo após dizer que "não haverá compromisso com o erro, o desvio e o malfeito", Dilma deu um abraço apertado, e em público, na antiga auxiliar.
Abraço que, nas entrelinhas, é quase um pedido de desculpas. Como quem diz: "Para não perder a eleição, fomos obrigados a largá-la ferida na estrada, mas saiba que não nos esquecemos de você".
E não esqueceram mesmo: mal Dilma assumiu, foi divulgado que a sindicância instalada na Casa Civil para apurar o envolvimento de servidores do órgão -entre os quais um parceiro do filho de Erenice- em tráfico de influência e suposta cobrança de propina terminou sem recomendar a punição de ninguém.
Vai ver tudo não passou mesmo de um grande mal-entendido. Assim como deve ter sido um equívoco também, ou pura maledicência da imprensa golpista, o caso do deputado Pedro Novais, aquele que usou R$ 2.156 da verba indenizatória da Câmara para pagar uma festinha privada em um motel na periferia de São Luís.
Após admitir o "erro" e anunciar ter devolvido o dinheiro ao Legislativo, o parlamentar virou oficialmente ministro do Turismo de Dilma.
Claro, a presidente não tem compromisso com o "erro, o desvio e o malfeito".
Dilma tem, sim, os mesmos compromissos de Lula, como repetiu na posse: "Venho, antes de tudo, para dar continuidade ao maior processo de afirmação que este país já viveu. Venho para consolidar a obra transformadora do presidente Lula".
Os mesmos compromissos de um presidente que, se, por um lado, entregou um país melhor que o que recebeu de FHC, por outro, tem um filho que mora de favor em um apartamento alugado por R$ 12 mil nos Jardins -pagos, desde 2007, por um empresário, seu "sócio".
Os mesmos compromissos de um Lula que, se em 2005 se dizia traído após as revelações de Roberto Jefferson ("eu me sinto traído por práticas inaceitáveis das quais nunca tive conhecimento"), agora, no ano em que o caso será julgado pelo Supremo, promete trabalhar para desmontar "a farsa do mensalão".
A presidente pode até se revelar diferente, ser mais enérgica "na defesa do interesse público". Mas não é o que parece, como bem sugere a ressurreição de Antonio Palocci -aquele que caiu da Fazenda após a violação do sigilo bancário de um caseiro e que agora ocupa a mesma Casa Civil de José Dirceu e Erenice.

*Rogério Gentile é secretário de Redação da Folha. 

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