terça-feira, janeiro 18, 2011

JANIO DE FREITAS

O desastre e a dívida
JANIO DE FREITAS

FOLHA DE SÃO PAULO - 18/01/11
Ausência de senadores e deputados na região serrana do Rio é a versão, em termos físicos, de omissão política diante das calamidades

UMA INDICAÇÃO eloquente da importância que a população tem para os políticos profissionais, mesmo quando a comoção é geral: a julgar pelas pessoas que acorreram em auxílio à região acidentada, o Rio de Janeiro não tem senadores nem deputados.
Ausência que é a versão, em termos físicos, da omissão política e da responsabilidade também humana, tão comuns no Brasil, diante dos fatores que favorecem as calamidades evitáveis.
É componente do mesmo alheamento a falta absoluta de reação, política e administrativa, ao descaso pelas advertências técnicas, com pelo menos dois anos de antecedência, sobre os riscos detectados nas cidades serranas agora devastadas.
Não se trata apenas de um descaso a mais. Ainda que não se possa imaginar quanto se evitaria do desastre de agora, com os desdobramentos efetivos daqueles estudos, há razões para admitir que bastante da desgraça seria prevenida ou atenuada.
Em duas frentes, governo e parlamentares, há dívida com a população a respeito dos estudos não utilizados.
Se o governo estadual não desejar uma comissão que pesquise com rigor as origens do mau destino dado às advertências técnicas (conduzidas por professores da Universidade Federal do Rio de Janeiro), cabe à Assembleia Legislativa a obrigação de compô-la, como comissão especial ou CPI.
Se também nesse caso a conveniência política prevalecer, a dívida se transfere à Câmara e ao Senado.
O contrário dessa providência devida será estender o descaso a ponto de cada parlamentar levar nas costas o peso moral de centenas de mortes, de orfandades e inúmeras famílias arruinadas.
Mas quem vai cobrar? De raro em raro lê-se, por exemplo, que até hoje, passado um ano, vítimas do desabamento no morro do Bumba, em Niterói, continuam em abrigos improvisados, e ainda não recebem a pequena quantia para recomporem o mínimo indispensável do todo que perderam. É outra face da indiferença dos políticos dotados de todos os instrumentos para impedir a desgraça adicional dos desabrigados.
Mas não só os políticos dispõem de meios para tanto. Jornais e emissoras, que proporcionam as notícias esporádicas, são o recurso com que a população poderia contar, na falta dos políticos.
Contra aquela e contra muitas outras situações. Falta algo para isso, porém, e, ainda bem, não se assemelha ao descaso dos políticos. Mas falta, e a população precisa que não falte.
O que os políticos não querem que falte é só o de sempre: $$$. O prefeito de Teresópolis, Jorge Mário, merece emergir da crônica da calamidade serrana para a condição de símbolo dos administradores típicos.
Bastaram-lhe menos de 72 horas para dizer quanto a sua prefeitura precisa receber para recompor-se do desastre: R$ 580 milhões. Como de praxe, na citação seguinte aumentados para R$ 598 milhões. Não R$ 600 milhões, que os comerciantes espertos evitam os números redondos.
Muitos lugares ainda inalcançáveis, número ignorado de pontes invalidadas, quilômetros de áreas encobertas por lama, pedras, troncos, lixo -só por isso, compreende-se, o prefeito Jorge Mário não pôde precisar até aos centavos. Leviandade e malandragem para isso não faltavam.
Com mais calma, o governo fluminense pede R$ 2 bilhões para o serviço nos municípios atingidos. Com base em quê? Na oportunidade de pedir. Nenhum estudo foi feito, nem haveria como fazê-lo na impossibilidade de conhecer a dimensão real dos danos, nem todos sequer vistos.
Poderia ter pedido dinheiro para os desdobramentos efetivos dos estudos geotécnicos sobre os riscos de desastres. E assim deixar a salvo, talvez, muito do que se perdeu e dos que foram perdidos.

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