quarta-feira, janeiro 05, 2011

CELSO MING

Ainda falta muito 
Celso Ming 

O Estado de S.Paulo - 05/01/2011

O carro elétrico está sendo apresentado ao mundo como um ser dotado de excelências.

"É o veículo do futuro", garante o presidente da Renault e Nissan, o brasileiro Carlos Ghosn. É o carro ecologicamente correto, de manutenção mais barata, silencioso... e por aí vai acumulando atributos.

Mas nada assegura nenhuma dessas qualidades. Nem que será necessariamente o veículo do futuro. E, mais do que isso, são tantos os problemas que hoje o projeto do carro elétrico é uma grande interrogação.

A primeira dúvida é se realmente se trata de uma resposta mais adequada à qualidade do meio ambiente. Para isso, não basta deixar de emitir poluentes pelo escapamento. Essas mesmas emulsões podem sair por chaminés. Na matriz energética global, a energia elétrica produzida por meios de baixo impacto ambiental corresponde a apenas 32%. Ou seja, 68% da energia é produzida por termoelétricas que queimam carvão ou derivados de petróleo. Como não há nenhuma possibilidade imediata de que essa proporção seja revertida, o risco é o de que, por via indireta, o carro elétrico seja tão ou quase tão poluente quanto o movido a gasolina.

Mesmo países como o Brasil, que obtém mais de 60% de sua eletricidade por fonte hídrica, poderão ter graves problemas com o abastecimento elétrico. Se apenas 30% da frota brasileira de veículos (hoje de cerca de 30 milhões de unidades) rodasse a eletricidade, seria preciso, para garantir energia para esses carros, construir mais 13 usinas do tamanho de Itaipu. E, é bom relembrar, usina hidrelétrica não é essa maravilha ambiental que alguns imaginam. Basta levar em conta o comprometimento ecológico produzido pela destruição de florestas e pela agressão produzida pela construção de barragens de milhões de metros cúbicos de água.

Outro grave problema do carro elétrico é sua baixa autonomia. Até agora as baterias construídas pela indústria oferecem, em média, autonomia para cerca de 100 km. A recarga demora, no mínimo, meia hora. Mas pode levar mais de seis horas, se for feita em tomada convencional de 240 volts.

A troca de baterias, como antigamente se trocavam os cavalos nas estalagens ao longo das estradas, parece uma possibilidade remota. Cada montadora vai desenvolvendo o seu próprio modelo não substituível pelo da outra. Além disso, como a bateria corresponde a 34% do valor do veículo, parece improvável que o proprietário se sujeite a trocas de bateria do seu veículo sem conhecer o estado de conservação e as condições de durabilidade da que será incorporada. Nem mesmo as companhias de seguro deverão aceitar algo desse tipo.

Há mais problemas e riscos associados à bateria. Ela é um componente muito pesado (cerca de 500 kg), o que compromete o desempenho do veículo. Há quem argumente que, dentro de mais alguns anos, os engenheiros terão conseguido desenvolver baterias menores, mais baratas e mais duráveis. Mas esse é apenas um palpite ou, talvez, uma aposta. O fato é que as montadoras vêm desenvolvendo o carro elétrico há pelo menos 15 anos e, até agora, não conseguiram grandes progressos nesse quesito.

Enfim, Carlos Ghosn pode estar carregado de razão. O veículo elétrico tem tudo para ser o carro do futuro. Mas esse futuro parece estar muito distante.


CONFIRA

Insatisfatório demais

Na sua edição do dia 26, uma das mais respeitadas publicações da Europa, a revista alemã Der Spiegel, publicou matéria sobre o carro elétrico. Lá ficou dito que os projetos apresentados pelas montadoras vêm desembocando em produtos pesados demais, caros demais, complicados demais e insatisfatórios demais.

Mudança de padrão

E avisa que o carro do futuro, movido a eletricidade, não pode ser um modelo qualquer de hoje dotado de uma superbateria. Tem de partir de padrões completamente novos.

Leve mas caro

A única montadora que projeta um carro elétrico com essa filosofia é a BMW. A ideia é substituir a carcaça de aço pela de um polímero reforçado com fibra de carbono (PRFC), um material que apresenta a metade do peso do aço, mas cujo custo é 50 vezes maior. Por aí já se pode conferir qual é o problema dessa solução. Mas há outro. Se o PRFC for a solução para o carro elétrico, é mais ainda para o carro convencional.

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