segunda-feira, janeiro 04, 2010

GEORGE VIDOR

Ano da construção

O GLOBO - 04/01/10



Mais de dois terços do crédito para pessoas físicas no Brasil se destinam a financiamentos de automóveis e a empréstimos consignados. No terço restante entram todas as outras modalidades de crédito, como a que possibilita a compra, a prazo, da casa própria. Então, por mais que o chamado crédito imobiliário se expanda em 2010, ainda estaremos longe de qualquer “bolha”.

A correção das prestações em percentuais superiores aos de reajustes de salários, primeiro por causa da inflação e depois devido aos juros altos demais, atrofiaram os financiamentos para a casa própria no Brasil por vários anos. A Caixa Econômica ficou meio que sozinha nesse mercado até recentemente. Mas agora os demais bancos estão cada vez mais presentes no setor. Mesmo assim, o sistema permaneceu voltado quase que apenas ao atendimento da classe média, e de preferência a parcela com maior poder aquisitivo.

A grande demanda em potencial no Brasil, porém, é de famílias com renda até seis salários-mínimos mensais. Felizmente, incorporadores, construtores e financiadores estão reaprendendo a atuar nesse segmento. O programa “Minha Casa, Minha Vida”, lançado pelo governo, teve o mérito de cadastrar a “demanda” e, com isso, os empreendedores sabem até o nome e o endereço dos que formam esse mercado a ser explorado.

Como o aprendizado é relativamente rápido, tudo indica que em 2010 o número de imóveis construídos para essa demanda reprimida será bem expressivo.

E tanto melhor se as taxas básicas de juros permanecerem abaixo de 10%, pois nesse caso o montante de subsídios embutidos nos financiamentos para famílias de baixa renda não chegará a comprometer as finanças públicas, possibilitando a multiplicação dos empréstimos.

Há um outro tipo de crédito que deverá se expandir muito este ano, que é o decorrente da emissão de títulos de dívida por parte de empresas (debêntures, notas promissórias negociáveis, certificados de recebíveis).

Trata-se de uma alternativa ao crédito bancário convencional, que passou a atrair tanto empresas que querem fugir das mãos dos bancos, quanto potenciais investidores nesses títulos.

Tais emissões encontram espaço agora no mercado por causa da queda das taxas básicas de juros da economia, o que somente foi possível depois que o endividamento público parou de crescer geometricamente.

Muitos economistas batem na tecla da necessidade de redução dos déficits públicos (e da dívida estatal) exatamente para que a poupança doméstica fique disponível para o setor privado, mais ágil na concretização de investimentos.

O secretário de Fazenda do Estado do Rio de Janeiro, Joaquim Levy, está animado com 2010. A arrecadação dos dois últimos meses de 2009 foi bem positiva (a receita em novembro cresceu 10% e, em dezembro, cerca de 15% sobre igual período de 2008) e para este ano Levy conta com a continuidade da expansão do mercado interno, o que deverás e refletirem maior arrecadação de ICMS. Em 2009, dos R$ 31 bilhões de receita corrente líquida do estado, R$ 18 bilhões corresponderam à arrecadação de ICMS.

O secretário vem dedicando a maior de seu tempo à adoção de procedimentos informatizados que possibilitem à Fazenda estadual andar no piloto automático. Ele espera, por exemplo, que a simplificação do processo eleve de 20% para 70% os pedidos de abertura de empresas no Rio por meio eletrônico.

Do mesmo modo, Levy espera que o consumidor ajude o estado a combater a sonegação participando, por exemplo, do programa “Cupom mania”. Ao fazer uma compra, o consumidor pode enviar, por celular, um torpedo para a Secretaria de Fazenda (diz ele que a partir do primeiro torpedo fica mais fácil enviar os seguintes) com dados da nota fiscal.

A Fazenda cruza essas informações com os valores fornecidos pelo varejista, o que habilita o consumidor a participar de sorteios diários, concorrendo a aparelhos eletrônicos e a um carro por semana. A Secretaria vem recebendo 20 mil torpedos por dia, mas a meta é alcançar de 70 mil a 100 mil.

Os fiscais agora também têm metas de produtividade.

Se a receita em sua área de atuação crescer acima do percentual apurado pelo IBGE no índice que mede o comportamento das vendas no varejo, o fiscal é recompensado com uma gratificação que pode chegar a R$ 3 mil mensais.

Em futuro próximo, a ideia é que os fiscais indicados para vistoriar as contas de alguma empresa sejam escolhidos por sorteio.

O governo estadual investiu com recursos próprios quase R$ 2 bilhões (só em obras do PAC foram cerca de R$ 500 milhões) em 2009, e pagou R$ 3,5 bilhões da dívida que possui com o Tesouro Nacional.

A base do prédio do reator da usina Angra 3 deve ser concretada agora em fevereiro. Como é um trabalho que envolve um tipo de impermeabilização especial, resistente a peso e a dilatações do piso, a concretagem não é feita de forma convencional.

Agora que a obra começa a andar, já há quem defenda a construção de uma quarta usina nuclear na Central Almirante Alvaro Alberto, em Angra. É o caso do engenheiro Wagner Victer, atualmente presidente da Cedae e que foi secretário estadual de Energia no Rio de Janeiro.

RUTH DE AQUINO

Nossa Antena

Revista Época - 04/01/2010


Lula faz barba, cabelo e bigode

O presidente Lula descolou do chão. A expressão é de um tucano impaciente, Tasso Jereissati. Assim como o senador cearense Jereissati, o PSDB em peso tenta convencer José Serra a sair do armário em janeiro, em vez de esperar até março. Enquanto Serra se agarra a seu status de governador de São Paulo, Lula faz a festa. Aqui e lá fora. Acaba de ganhar mais um título: o influente jornal inglês Financial Times o escolheu como uma das 50 personalidades da década.

Nunca antes um presidente foi tão festejado no exterior. Depois de Barack Obama chamá-lo de “o cara”, Lula foi eleito pelo El País “personagem ibero-americano de 2009” e pelo Le Monde “homem do ano”. Agora, foi o único latino-americano na lista da década do Financial Times, citado como “o presidente mais popular da história do Brasil” – “pelo carisma, pela habilidade política, mas, sobretudo, pela inflação baixa”. Segundo o FT, Lula teve a sabedoria de “não alterar a política macroeconômica do governo de Fernando Henrique Cardoso” e expandir programas de aumento de renda.

A popularidade interna de Lula e seu desempenho em cúpulas mundo afora o tornam um craque da política – quer se goste ou não. Seu pragmatismo a qualquer preço revolta os puros, os que acreditam em ideários. Lula ri e é simpático. Quando chora, chora mesmo, não é fingimento populista. Também chora de alegria, como ao comemorar a escolha do Rio de Janeiro para sediar as Olimpíadas de 2016. Lula acredita tanto na emoção que conseguiu ensinar até Dilma Rousseff a chorar em público.

Uma das virtudes do presidente brasileiro é sua agilidade de raciocínio – ele rapidamente enquadra suas próprias convicções. Em Copenhague, isso ficou claro. Desautorizou uma declaração de Dilma, encampou uma sugestão de Marina Silva, mostrou um Brasil flexível e empenhado na defesa do meio ambiente, saiu de lá como um campeão da causa verde.

Ele chama Serra para o campo o tempo todo. Diverte-se claramente com suas próprias provocações Suas gafes escorrem pela língua e são sempre desculpadas. Na terça-feira 29 de dezembro, mais uma vez abusou das palavras. Fez uma analogia pobre. Inaugurava um posto de saúde em São Bernardo do Campo, São Paulo, seu berço político. “Não fazemos distinção de que partido é o prefeito e o governador. O povo precisa (de verba federal) e a gente tem mais é obrigação de fazer sem olhar...Vocês não podem deixar de dar comida para um porco porque você não gosta do dono do porco.” É inacreditável ouvir isso de um presidente. Mas não de Lula.

Chama Serra para o campo o tempo todo. Diverte-se claramente com suas próprias provocações. Lula age como se quem estivesse em campanha fosse ele e não a Dilma ruim de bola, que nem embaixadinha consegue fazer, quanto mais gol. Chute forte, grosso e sem mira não ganha eleição nem para síndico de prédio. Por isso, só por isso, a cautela de Serra é compreensível. O governador de São Paulo – agora sem pressão do mineiro Aécio Neves – não tem a menor vontade de gastar seu jogo com Lula. Quer disputar diretamente com a candidata à Presidência pelo PT, e não com seu padrinho coroado.

Dilma pisou na bola sempre que foi escalada por Lula. Como “papagaio de pirata” ela ainda consegue fazer uma figuração. Sem o treinador, Dilma é uma temeridade. Dizer que “o meio ambiente é uma ameaça ao desenvolvimento sustentável” é um mico sem a menor graça. Por que Lula escolheu uma mulher como Dilma, que valoriza tanto títulos acadêmicos e não tem nenhuma afinidade com a massa, como candidata à “continuidade”?

O maior perigo para Lula hoje é acreditar mais no personagem criado nesta década do que nele próprio. O filme que conta sua história o endeusa, o santifica e apara todas as arestas humanas. A jornalista Eliane Brum fez a crítica mais consistente que li. Está em epoca.com.br. Como diz Eliane, o filme mostra outro Lula, que dá sono: “Faz tudo certo sem tropeçar em nenhum conflito, nem mesmo um bem pequeno, em sua trajetória linear. Ao final, ficamos pensando que aquele cara da tela nunca chegaria a presidente da República. Não chegaria nem a liderar uma greve do ABC. O Lula do filme é raso como o açude seco em que o menino Lula bebia água com o gado”.

ANTONIO PENTEADO MENDONÇA

Férias e seguros

O Estado de S. Paulo - 04/01/2010


Férias é época de descanso, de reposição das energias gastas ao longo do ano, de se preparar para um novo período de correrias e atribulações. O mundo está cada vez mais rápido, por isso, aproveitar as férias para recarregar as baterias e se lançar outra vez no tsunami nosso de cada dia é a solução para não perder o bonde do progresso e entrar na briga preparado para vencer.

As férias de verão são férias individuais potencializadas aos milhões. Milhões de alunos, milhões de mães e milhões de pais deixam os afazeres do dia a dia para se entregarem ao ócio merecido, após um ano difícil e cheio de barreiras como foi 2009.

De outro lado, é nos meses de verão que as consequências das mudanças climáticas são mais sentidas no Brasil. É nesta época do ano que as tempestades cobram seu preço, inundando, desmoronando, desabrigando e matando em todo território nacional. Com o aquecimento global a frequência e a violência das tormentas têm aumentado consistentemente, tanto que ainda não estamos no auge da temporada das tempestades e Rio Grande do Sul, Santa Catarina e São Paulo já vão se destacando pelos danos causados por tempestades, vendavais e tornados que se abatem sobre seus territórios.

Em outras palavras, as férias de verão prometem agravar todos os riscos passíveis de sinistros ou de serem cobertos por seguros, tanto de origem natural como de origem humana.

Esta soma de fatores negativos se reflete nos desembolsos das seguradoras, que nesta época pagam uma parte elevada do total das indenizações dos sinistros ocorridos ao longo do ano.

Nada de novo debaixo do céu, apenas mais caro. Como cada vez mais as férias acompanham o ritmo alucinado da vida moderna, ano a ano aumenta o número de acidentes de todos os tipos que causam perdas materiais e corporais.

Por conta humana, aumenta o número de acidentes com veículos, o número de acidentes decorrentes da prática de esportes, o número de acidentes pessoais em geral e o número de mortes acidentais. Aumentam os furtos e roubos, a utilização dos planos de saúde e dos serviços de assistência oferecidos pelas seguradoras em suas apólices.

Por conta da natureza, aumentam as indenizações para veículos e residências atingidos pelas tempestades. São danos causados pelo vento, pela água, pelo granizo, pela queda de árvores, pelo desmoronamento de imóveis de todos os tipos, etc., e que, com o desenvolvimento da atividade seguradora, passaram a ser mais e melhor protegidos.

O aumento dos sinistros, como não poderia deixar de ser, eleva as despesas administrativas, o que também impacta negativamente o caixa das seguradoras, gerando um desembolso maior e obrigando-as a tomar uma série de medidas de proteção para minimizarem a concentração dos sinistros num espaço tão curto de tempo.

Os mecanismos à sua disposição são das mais variadas ordens, indo desde a política de aceitação de riscos até a contratação de resseguros específicos, capazes de limitar suas perdas, por carteira e por evento, para não falar na constituição de reservas técnicas, exigidas pela SUSEP (Superintendência de Seguros Privados).

Através destas ações as seguradoras se defendem de uma realidade agressiva e que poderia levá-las a apresentar eventuais problemas de caixa para fazer frente ao total dos desembolsos concentrados nos meses de verão.

A primeira premissa para a boa gestão de uma seguradora é a certeza de que os eventos que ocorrem ao longo do ano não acontecem matematicamente divididos pelos doze meses. Há épocas com maior concentração de um determinado tipo de sinistro, outras, mais tranquilas, o que faz com que o diferimento dos prêmios não seja suficiente para dar a segurança necessária à gestão do negócio. Com base nisto, e sabendo que os meses de verão concentram uma grande massa de sinistros, as seguradoras implementam regularmente ações estratégicas e pontuais destinadas a fazer com que esta concentração não lhe cause problemas operacionais.

*
Antonio Penteado Mendonça é advogado, sócio de Penteado Mendonça Advocacia, professor da FIA-FEA/USP e do PEC da Fundação Getúlio Vargas e comentarista da Rádio Eldorado.

MARIA CRISTINA FRIAS - MERCADO ABERTO

Cenário fica mais positivo para os bancos


Folha de S. Paulo - 04/01/2010

Um cenário positivo para o setor bancário nacional, com aumento do crédito, de um lado, e, de outro, redução de "spreads" e da taxa de inadimplência em novembro passado em relação ao mês anterior.
O panorama esboçado em relatório do Credit Suisse sobre o desempenho dos bancos reforça uma tendência para 2010, de acordo com analistas do banco.
Neste ano, os financiamentos devem subir ao menos 10%, principalmente por um forte desempenho no varejo, segundo analistas do Credit Suisse. A taxa de inadimplência também deve ser influenciada por um melhor desempenho no varejo, enquanto o corporativo deve reagir mais lentamente, segundo projeções do banco. A inadimplência deve chegar a 4,5% em 2010, estimam analistas.
Os empréstimos cresceram no total 1,6% em novembro com relação ao mês anterior e 16,7% em relação ao ano anterior, considerando a apreciação do real de 31,4% ante 2008.
O crédito em relação ao PIB alcançou 44,9% em novembro.
No varejo, o crescimento foi de 1,3% em novembro ante o mês anterior. Apesar do declínio no "leasing", de 1,1% no período, a maior parte das modalidades de financiamento apresentou resultado positivo. No cartão de crédito, a alta foi de 4,2% no período. No financiamento de automóveis, a taxa subiu 1,8% em novembro ante outubro e, no segmento corporativo, o aumento foi de 1,5%.
A inadimplência continuou a melhorar. No crédito comercial caiu dez pontos básicos em novembro. Os "spreads", por sua vez, caíram 90 pontos básicos em relação a outubro, sendo que no varejo a redução foi de 130 pontos básicos. No total, os "spreads" caíram de 26% para 25,1% em novembro.

VOLEIO
A Tivit abre hoje uma unidade em Curitiba para dar conta de um novo cliente da área financeira. "Temos a possibilidade de vir a atender globalmente a este banco", diz Luiz Mattar, principal executivo da empresa especializada em terceirização de serviços de tecnologia. O investimento foi de R$ 30 milhões. Em 2009, a Tivit cresceu menos do que o seu histórico de quatro anos, que tem sido de cerca de 30%, segundo Mattar, tenista profissional até 1995, que diz ainda não poder divulgar o resultado final. Em meados de dezembro, a empresa fez empréstimo de R$ 150 milhões no BNDES, reajustado a TJLP mais 1,5% ao ano. Pouco antes do Natal, a BM&F Bovespa solicitou esclarecimentos em razão da alta de suas ações por dez dias. Em comunicado ao mercado, a empresa respondeu que não sabe explicar o que houve.

O que estou lendo

Consultor sênior do Itaú BBA: "Mais ou menos de economia, a única coisa que estou lendo é ‘Shakespeare e a Economia’, do Gustavo Franco. Se vale literatura, minha pilha atual contém‘O Seminarista’, de RubemFonseca, ‘Clarisse’, de BenjamimMoser, ‘TheHumbling’, de Phillip Roth, ‘Too Much Happiness’, deAliceMunrow, e ‘Seven Types of Ambiguity’, de Elliot Perlman"

Para onde olhar em 2010...
na área tributária
"A campanha eleitoral exigirá mais recursos em propagandas e benesses, fato que acarretará uma pressão tributária maior. Por outro lado, para 675 mil servidores públicos da União, o governo federal destinou R$ 183 bilhões, incluindo inativos, só para mão de obra oficial. Ou seja, seis vezes todo o orçamento de São Paulo, a maior cidade do país, que tem 11 milhões de habitantes!
No orçamento de 2008, a mão de obra oficial consumia R$ 126,9 bilhões.Osalto, em dois anos, foi fantástico. O PAC terá em2010 apenas R$ 29 bilhões e o Bolsa Família, pouco mais de R$ 12 bilhões.
Pagamos tributos para sustentar os detentores do poder. Somos reféns da burocracia. A carga burocrática é aquela O advogado Ives Gandra que condiciona a carga tributária."

EVERARDO MACIEL

Recuperação da Receita

O Estado de S. Paulo - 04/01/2010


Em tempos muito recentes, a Receita Federal resolveu seguir a moda da espetaculosidade, adotada por alguns órgãos públicos. Em crescente desuso, essa conduta de viés pretensamente ideológico se revelou, na prática, muito pouco eficaz em relação aos objetivos colimados.

A nova administração desse órgão parece retornar ao curso natural de uma gestão eminentemente técnica. O revigoramento de sua capacidade operacional revela-se em normas constantes da Medida Provisória (MP) nº 472 e de instruções normativas editadas no final do ano. Por sua relevância, essas providências bem poderiam ser denominadas "Programa de Recuperação da Receita".

A Instrução Normativa nº 979, ao disciplinar o regime especial de fiscalização, instituído pelo artigo 33 da Lei nº 9.430, de 1996, pôs à disposição do Fisco uma importante ferramenta no enfrentamento da sonegação contumaz, qualificada numa lista positiva de hipóteses. A aplicação desse regime, já utilizado com sucesso pelos Fiscos estaduais, implicará redução dos prazos de recolhimento, fiscalização ininterrupta e controles eletrônicos das operações.

O artigo 24 da MP nº 472 estabelece limitações à dedutibilidade de juros pagos a pessoa física ou jurídica domiciliada no exterior quando vinculada a fonte pagadora situada no Brasil. O artigo subsequente amplia essas limitações caso a pessoa física ou jurídica tenha domicílio em paraíso fiscal. Essas normas dão o curso a ações tendentes a conter o espaço do planejamento fiscal, além de estabelecer mais restrições efetivas a negócios realizados com empresas localizadas em paraísos fiscais.

O artigo 27 da MP cuida do uso indevido de compensações, ao estabelecer multa de 75% nos casos em que for confirmada ilegitimidade ou insuficiência do alegado direito creditório.

Até 1996 a legislação tributária federal não admitia compensações entre tributos de natureza distinta. Tal fato punia indevidamente os contribuintes, pois ficavam à mercê da apreciação de pedidos de restituição, sem ao menos incorporar, na hipótese de homologação pelo Fisco, os juros compensatórios exigidos para o tributo em atraso.

Desde a edição da Lei nº 9.430, a legislação reconheceu a possibilidade de compensação entre distintos tributos, cabendo à Receita promover os devidos ajustes internos na alocação dos créditos e débitos, a fim de prevenir ofensas às regras constitucionais de partilha e vinculação de receitas. Nesse universo não foram incluídas as contribuições previdenciárias, pois sua gestão era exercida autonomamente pela Previdência Social.

O objetivo da norma adotada era evitar indesejadas acumulações de créditos, afora o entendimento de que compensação entre tributos de um mesmo ente tributante tem a mesma natureza conceitual de deduções na base de cálculo de um específico tributo. Se há legitimidade em uma hipótese, não há razão para recusá-la na outra.

A adoção da multa pela compensação tida como indevida remete, entretanto, a outras oportunas reflexões sobre a matéria.

Já é hora de estender a aplicação dos juros compensatórios aplicáveis às restituições do Imposto de Renda (IR), em vigor desde 1996, aos demais tributos federais.

Desde a criação da Receita Federal do Brasil, que incorporou a administração fiscal previdenciária, inexiste igualmente motivo para excluir as receitas previdenciárias do universo dos tributos elegíveis para compensação.

O Congresso Nacional tem a oportunidade de aperfeiçoar a medida provisória por meio de emendas voltadas para suprir essas deficiências na legislação.

Há os que interpretam a multa de 75%, prevista no mencionado artigo 27, como aplicável aos casos de dedução de despesas com saúde e educação no IR das pessoas físicas. No meu entender, ainda que de mesma natureza conceitual, compensações e deduções são institutos de natureza diferente.

Admitida a interpretação extensiva, como poderá o paciente reconhecer a autenticidade de uma nota fiscal emitida por um estabelecimento de saúde ou saber se ele é uma pessoa jurídica inapta? Deverá o contribuinte anotar a forma de pagamento das despesas com saúde? São questões que não podem ser negligenciadas.

A instituição da Declaração de Serviços Médicos pela Instrução Normativa nº 985, de 22/12/2009, está na direção correta, pois permitirá o cotejamento automático entre o que for declarado pela pessoa física e o que for informado pelo prestador do serviço, à semelhança do que hoje ocorre em relação ao imposto retido na fonte.

A despeito disso, é necessária especial atenção à miríade de obrigações acessórias que vêm sendo criadas, com elevação inevitável de custos para o contribuinte. Não seria o momento de investir na racionalização dessas obrigações, principalmente tendo em conta o progresso na implantação do Sistema Público de Escrituração Digital (Sped)?

De qualquer forma, é indispensável deixar claro o que configura a ilegitimidade da compensação, sob pena de abrir espaços para uma grande e perigosa variedade de interpretações.

Everardo Maciel, consultor tributário, foi secretário da Receita Federal (1995-2002)

JOÃO ALMEIDA

A Petrobrás de Gabrielli


O Estado de S. Paulo - 04/01/2010

A entrevista de José Sérgio Gabrielli ao Estado ("PSDB teria vendido a Petrobrás", 25 de dezembro de 2009, página B1) marca a volta triunfante à cena política do presidente da Petrobrás depois do estrangulamento governista da CPI do Senado que deveria ter investigado a gestão do petista na companhia (http://www.estadao.com.br/estadaodehoje/20091225/not_imp486802,0.php).

Poupado de qualquer questionamento sobre as graves suspeitas de irregularidades que motivaram a instalação da CPI e de outras perguntas "inconvenientes", Gabrielli ficou à vontade para usar e abusar das meias-verdades e absolutas mentiras com que os petistas costumam fantasiar seus supostos êxitos e a "herança maldita" do governo anterior.

É preciso reconhecer, sem nenhum favor, que ele se superou nesse mister. O atestado de "idoneidade" que ganhou do próprio líder do governo, senador Romero Jucá, no relatório final da CPI, talvez tenha subido à cabeça do principal responsável direto pela transformação da maior empresa do Brasil em comitê político do PT e aliados. Se não fosse a intervenção providencial do presidente Lula - por intermédio de seu fiel escudeiro Gabrielli, subentende-se -, a Petrobrás "teria investimento e crescimento menores do que teve. Provavelmente teria menos preocupação com o controle nacional, portanto, teria menos impacto no estímulo da indústria brasileira."

Começando pelos resultados, que são o que interessa ao País: ao contrário do que sugere Gabrielli, a produção de petróleo da Petrobrás cresceu muito menos no governo Lula do que no governo FHC. Foram meros 3% ao ano, em média, desde 2003, ante 10% ao ano entre 1995 e 2002. O que cresceu mais no governo Lula foi o faturamento da empresa, por causa do boom dos preços internacionais do petróleo. Somente por isso. Foi esse aumento extraordinário da receita da companhia, provocado pelo aumento dos preços promovido pelos sheiks árabes, que encobriu os efeitos da péssima gestão petista.

A Petrobrás entrou na rota do crescimento acelerado a partir da vigência da Lei do Petróleo de 1997 e da reorganização interna que preparou a companhia para atuar num ambiente de competição. Isso sem que o Estado brasileiro tivesse de abrir mão do controle do ritmo de exploração das reservas de petróleo, das receitas respectivas, nem do fortalecimento dos outros elos da cadeia produtiva do petróleo com os instrumentos previstos na lei.

A Petrobrás que chegou ao pré-sal foi aquela que saiu das reformas de 1997. Sua profissionalização, não o seu aparelhamento político, a transformou numa multinacional brasileira bem-sucedida - uma das gigantes da indústria petrolífera, na vanguarda tecnológica de exploração de petróleo em águas profundas. Cabe reconhecer dois feitos espetaculares da gestão petista da Petrobrás: o quadro de pessoal saltou de 45 mil empregados efetivos e 100 mil terceirizados em 2002 para 85 mil efetivos e 300 mil terceirizados em 2008; e os negócios obscuros sangram o enorme caixa da companhia - números sobre produção e pessoal da Petrobrás citados por Luiz Paulo V. Lucas na reportagem PSDB busca agenda para oposição a Lula (Estado, 23/2/2009, http://www.estadao.com.br/estadaodehoje/20090223/not_imp328581,0.php).

Entregue a pressões e manipulações políticas de todo tipo, a Petrobrás petista conseguiu o prodígio de entrar em dificuldades financeiras com o preço do petróleo nas nuvens, em 2008. Dizem que o melhor negócio do mundo é uma empresa petrolífera bem administrada e o segundo melhor, uma empresa petrolífera mal administrada. A administração encabeçada por Gabrielli garantiu um lugar à parte nessa escala de (in)competência, ao colocar uma empresa do porte da Petrobrás na UTI das manobras tributárias e injeções de dinheiro de bancos oficiais. Algo nunca antes registrado na história deste país e, possivelmente, do mundo.

É de uma desfaçatez sem limite que Gabrielli, com essa folha de serviços, se arvore em defensor da Petrobrás contra o fantasma muito invocado e nunca materializado de uma suposta ameaça de privatização. Das ameaças reais ao caixa, à eficiência e à capacidade de expansão da empresa os atuais responsáveis, incluindo Gabrielli, livraram-se de prestar contas à CPI. Não deixarão de responder por isso ao Tribunal de Contas da União, que já apontou graves irregularidades em contratos da companhia com fornecedores, e ao Ministério Público Federal, ao qual o PSDB encaminhou 18 pedidos fundamentados de investigação.

Quem privatiza a Petrobrás por vias tortas, de forma desavergonhada, é o próprio Gabrielli e os apaniguados de seu partido. São eles que confundem uma empresa de economia mista com o fundo do quintal da sua organização político-negocial. São eles que usam as verbas de patrocínio da companhia como uma espécie de orçamento paralelo, livre do crivo do Congresso, no melhor estilo da estatal petrolífera venezuelana nas mãos de Hugo Chávez. Foram eles, aliás, que entregaram o patrimônio nacional a estrangeiros sem um gesto de defesa no vergonhoso episódio da expropriação da refinaria da Petrobrás na Bolívia. Tudo isso e muito mais sob os olhos cegos ou cúmplices da ministra Dilma Rousseff, presidente do conselho de administração da companhia.

Gabrielli falou como alguém que de fato é: um instrumento de um projeto de poder que pretende substituir a direção das estatais pelo partido, o comando dos fundos de pensão pelo partido, os Ministérios pelo partido, a sociedade pelo partido...

Os que, como nós, realmente valorizam a Petrobrás querem-na sob o controle do povo brasileiro, não sob o controle do partido que a explora.

A Petrobrás precisa ser reestatizada: precisa sair da esfera do controle privado petista para ser devolvida à Nação brasileira.

João Almeida, geólogo, é deputado federal (PSDB-BA), líder eleito da bancada do partido em 2010

RUY CASTRO

Genealogia dos Máicons

FOLHA DE SÃO PAULO - 04/01/10

RIO DE JANEIRO - Outro dia, discutindo os razoáveis méritos do jogador Máicon, lateral do Inter de Milão e da seleção brasileira, surpreendi-me falando Máicon para cá e Máicon para lá, como se fosse o nome mais tradicional do mundo -algo assim como Abílio, Belmiro ou Coriolano, cujas origens históricas podem ser traçadas desde o século 5 ou antes.
Já tinha me esquecido de como, há anos, ao ouvir pela primeira vez o nome Máicon -que não se referia ao Máicon citado acima, mas a outro de que não me lembro-, achei que o interlocutor se enganara ou meu ouvido é que entortara. Sem dúvida, pensei, ele queria dizer Michael. Hoje, com tantos Máicons explícitos e assumidos à nossa volta, em blogs, twitters, facebooks, na música caipira e no futebol -raro o clube que não tem ao menos um-, o nome já se incorporou à língua.
Como terá começado essa onda? Fico imaginando o primeiro pai que entrou num cartório para registrar o filho como Michael e cantou o nome para o escrivão. Ou o pai o pronunciou errado e o escrivão o seguiu no erro, ou o pronunciou certo, mas o escrivão escorregou ao escrever. Enfim, ali nasceu o primeiro Máicon. Mas como terá nascido o segundo? E o terceiro, o quarto e os milhares de outros?
Como não existe nenhum Máicon maior de 30 anos, imagino que o processo se deu quando o jovem Michael Jackson começava a empolgar futuras jovens mães e a fazer com que elas dessem o seu nome aos filhos. Se bem que o principal Máicon da atualidade, o do Inter e da seleção, seja uma homenagem a outro Michael. Vide seu nome completo: Máicon Douglas Sisenando.
Mas não seja por isso. Se você procurar por um absurdo e improvável Máicon Jackson, referindo-se ao dançarino americano morto há pouco, lá estará ele, firme, no infalível Google.

PAINEL DA FOLHA

Tragédia anunciada
RENATA LO PRETE
FOLHA DE SÃO PAULO - 04/01/10

Em setembro, três meses depois da edição do decreto de Sérgio Cabral (PMDB) que permitiu ocupação maior em áreas de preservação ambiental, como o local da tragédia em Angra dos Reis, o Ministério Público Federal na região elaborou um parecer apontando irregularidades nas novas regras. O texto alerta para o risco de crescimento imobiliário desordenado e defende que esse tipo de alteração territorial só poderia ser feita por meio de lei. O relatório foi enviado ao procurador-geral da República, Roberto Gurgel.
Para referendar o documento, os procuradores se ampararam em uma decisão sobre um caso semelhante do ministro Celso de Mello, do STF.



Barreira. Na sequência, com base no parecer do Ministério Público, o deputado estadual Alessandro Molon (PT) apresentou um projeto, em tramitação na Assembleia, para suspender o decreto, mas a matéria enfrenta resistência na base de Cabral.

Estrelas. Dado seu caráter tolerante para com as construções de ricos e famosos, as regras do governo do Rio para Angra ganharam na região o apelido de "decreto Luciano Huck", em alusão à casa que o apresentador tem no local.

Ali do lado. Desculpas à parte, mesmo aliados de Sérgio Cabral acham que o governador errou feio ao não comparecer logo no dia 1º ao cenário da tragédia em Angra, relativamente próximo a Mangaratiba, local onde o peemedebista festejou a virada do ano com família e amigos.

Entre nós. Chamou a atenção o fato de, quando finalmente resolveu aparecer, o governador ter circulado levando a tiracolo o deputado federal Luiz Sérgio, recém-eleito presidente do PT no Rio e ex-prefeito de Angra.

Na muda. No PT e alhures, o silêncio de Lindberg Farias em relação aos mortos pela chuva no Rio é interpretado como sinal de que o prefeito de Nova Iguaçu não enfrentará Cabral na disputa pelo governo, aguardando que lhe pavimentem caminho seguro para o Senado, com a retirada de Benedita da Silva do jogo.

Escaldado. Eduardo Paes (PMDB) chamou amigos e aliados para passar a virada num espaço reservado à Prefeitura do Rio de Janeiro na praia de Copacabana. Em virtude das mortes, que àquela já haviam ultrapassado os dois dígitos, achou melhor não aparecer por lá.

DJ. Diante do índice pluviométrico registrado em vários pontos do país na virada do ano, o senador Delcídio Amaral (PT-MS) postou no Twitter sua "sugestão de música" para o dia: "Planeta Água", de Guilherme Arantes.

Hora dos fogos. Com o episódio da "lista tríplice" ainda parado na garganta, peemedebistas se sentiram desprestigiados na partilha da liberação de emendas e cobraram o Planalto. Para evitar nova crise, o problema foi resolvido pouco antes da virada.

Troca tudo 1. Ao examinar o Datafolha sobre o Senado em SP, pesquiseiros se impressionam menos com a liderança do veterano Aloizio Mercadante (PT, 32%) e mais com os 22% obtidos tanto por Soninha (PPS) quanto por Netinho de Paula (PC do B).

Troca tudo 2. Hipótese dos analistas: na esteira do Sarneygate e dos demais descalabros administrativos revelados em 2009, pode ganhar força uma onda novidadeira na eleição ao Senado.

Barba e cabelo. Ainda desconfortável com a perspectiva de ver Geraldo Alckmin ganhar de presente o governo paulista, o DEM faz circular o nome de Guilherme Afif para duas vagas não necessariamente excludentes: vice na chapa do tucano neste ano e candidato à sucessão de Gilberto Kassab em 2012.

com SILVIO NAVARRO e LETÍCIA SANDER

Tiroteio

"O Cabral segue a lógica do marketing antigo: só aparece quando as coisas vão bem. Quando há um problema, ele some e escala um secretário."

Do deputado ÍNDIO DA COSTA (DEM-RJ), sobre o governador do Rio, que disse "não fazer demagogia" para justificar sua demora em visitar o local da tragédia em Angra dos Reis.

Contraponto

Questão de ângulo Durante vistoria às obras de revitalização de uma praça na região de Sapopemba (zona leste de São Paulo) às vésperas do feriado de Ano Novo, o prefeito Gilberto Kassab (DEM) foi cercado por moradores que queriam tirar fotos e aproveitar para fazer alguns pedidos. Auxiliares notaram que havia um homem embriagado na fila e se entreolharam. Ao que, aos gritos, o morador disparou:
-Você está fazendo um trabalho tão bom em São Paulo que você vai ser presidente em 2014!
Satisfeito, Kassab não resistiu e comentou baixinho com seus assessores:
-Acho que ele está muito bem!

DENIS LERRER ROSENFIELD

(In)segurança jurídica


O Estado de S. Paulo - 04/01/2010

Multiplicam-se no País declarações e condutas governamentais e políticas que têm um mesmo fundamento: a relativização do direito de propriedade. É como se o direito de propriedade fosse um mal que deveria ser exorcizado, algo apenas tolerado, de nenhum modo valorizado. A desastrosa experiência socialista, totalitária, do século 20 está sendo progressivamente esquecida, dando lugar à reanimação desse morto-vivo, só que agora com novo nome. Os nomes, aliás, variam segundo os diferentes interlocutores. Alguns o chamam "utopia"; outros, "socialismo do século 21"; outros ainda, "sociedade justa e solidária". As denominações vão mudando ao sabor das circunstâncias, tendo um igual denominador comum, o de formar a opinião pública. O seu significado permanece, porém, o mesmo.

Há até alguns promotores - felizmente, minoria - que dizem não precisar obedecer à "letra fria" da lei. Querem, na verdade, dizer com isso que seguem a "letra quente" do dogmatismo esquerdista. Justificam, então, suas posições socialistas, perfilando-se ao lado dos ditos movimentos sociais, dos quais se tornam agentes ditos políticos. Todo esse palavreado - porque não é mais do que isso - em torno de uma "sociedade justa e solidária" significa simplesmente isto: somos partidários e militantes fervorosos do socialismo, do comunismo, da democracia "participativa", totalitária, termos aqui equivalentes.

O MST, com o apoio das pastorais da Igreja Católica, em particular a Comissão Pastoral da Terra (CPT), propugna pela revisão dos índices de produtividade, procurando assim anular os ganhos de produtividade da classe empresarial rural. Luta por uma transferência de bens, de propriedades, para sua própria organização política, que defende o fim da economia de mercado e o direito de propriedade. Ora, a direção do Incra e a do Ministério do Desenvolvimento Agrário são constituídas por militantes egressos das alas mais à esquerda do PT e membros dos mesmos ditos movimentos sociais. Toda a campanha em torno da revisão dos índices de produtividade está baseada no aparelhamento de órgãos do Estado pelos ditos movimentos sociais, que pretendem, dessa forma, dar um rumo socialista às relações capitalistas do campo brasileiro. O atual governo aparelhou esses e outros órgãos do Estado com essas organizações políticas, por ele mesmo financiadas.

Outro exemplo de violação expressa do direito de propriedade se manifesta no modo como o governo está implementando o novo Código Florestal, fruto de um ato administrativo do Poder Executivo, que altera as relações de propriedade no campo. Uma área onde o cultivo era permitido se torna, de repente, uma área de reserva legal, obrigando o proprietário a reflorestá-la. De acordo com a legislação da época, o agricultor plantou segundo as leis, não tendo cometido nenhum crime. Na maior parte dos casos, incentivado pelo governo então vigente. Subitamente, o que era permitido e, reiteremos, legal, se torna ilegal, sendo suscetível de multa e punição. A situação é particularmente grave porque, aproveitando-se da onda ambiental do politicamente correto, o governo termina criminalizando os produtores rurais. Eles se tornam "criminosos" por um ato administrativo. Cúmulo do absurdo é depois, graças a pressões políticas, ser-lhes concedida uma espécie de anistia, como se infratores fossem. Os papéis estão completamente trocados. O problema político é da maior relevância, pois apenas o governo nazista se caracterizou por editar leis com efeito retroativo. Talvez ele fosse "progressista".

As questões quilombolas e indígenas tendem a se tornar cada vez mais importantes, com maiores áreas reivindicadas, em zonas rurais e urbanas. Reivindicações quilombolas, por exemplo, envolvem empreendimentos imobiliários em vários Estados brasileiros. Reivindicações indígenas dizem, sobretudo, respeito à zona rural, interferindo tanto na vida dos produtores rurais, das empresas do agronegócio, quanto na soberania nacional, comprometendo a exploração de jazidas, hidrelétricas e suscitando problemas fronteiriços.

Convém destacar que são "movimentos sociais" articulados entre si graças à atuação da ala esquerdista da Igreja Católica, por intermédio do Conselho Indigenista Missionário (Cimi) e da CPT, contando com o apoio de ONGs e governos internacionais. Apesar de sua apresentação politicamente correta, esses "movimentos" são verdadeiras organizações políticas, vinculadas ao MST, cuja ideologia é claramente socialista, anticapitalista. Suas diatribes são contra o direito de propriedade e a economia de mercado.

Há toda uma embromação ideológica no uso da palavra progressista para justificar essas posições, que são, na verdade, liberticidas. Qualificar alguém, um movimento social ou um partido político como progressista se tornou uma espécie de salvo-conduto para qualquer tipo de arbitrariedade.

Assim, o MST é tido por progressista, o que significa dizer que a violência por ele empregada já está, de antemão, justificada. Invadir propriedades, sequestrar funcionários, destruir maquinários, depredar alojamentos e sedes, ameaçar pessoas com foices e facões, até mesmo degolá-las, como já aconteceu no Rio Grande do Sul, são, nessa perspectiva, atitudes tidas por progressistas. Da mesma maneira, considerar a CPT e o Cimi progressistas significa adotar essa heterogênea mistura entre cristianismo e marxismo, denominada Teologia da Libertação, como teoria "justa e solidária" para uma sociedade sem propriedade privada: a sociedade socialista/comunista.

Na mesma esteira, considerar Mahmoud Ahmadinejad - negador do Holocausto, torturador e assassino de adversários políticos, perseguidor da religião Bahá"i e fraudador de eleições - progressista mostra, muito bem, onde desembocou essa esquerda: na podridão ideológica.

CLÁUDIO HUMBERTO

"Barack Obama se desmoronou. Caiu a máscara do Império"
Semiditador da Venezuela, o "louquaz" Hugo Chávez, com a cabeça ainda em Honduras

MÃOS AO ALTO: SENADO TERÁ TROPA DE ELITE
O Senado quer criar um inusitado Serviço de Armaria. Está na reforma administrativa. É para atender a Polícia Legislativa, que já treinou na Swat, a elite da polícia dos EUA. Hoje já existe uma Sala de Armas, extraoficial. Mas antes de criar o serviço, será preciso treinar os policiais legislativos. Muitos já têm idade avançada. Outros, pouca afinidade com armamentos. Aliás, para que armas no Senado?

PRAZO CURTO
Os tribunais só têm até o dia 29 próximo para enviar ao CNJ (Conselho Nacional de Justiça) os processos julgados.

FERIADO FORENSE
Termina dia 6 o recesso do Judiciário. Os prazos processuais, que estavam suspensos desde o dia 20 de dezembro, voltam a contar.

CANAL DA ESPERANÇA
O presidente do Supremo, ministro Gilmar Mendes, virou assíduo no YouTube. Dia 31, respondeu a perguntas de detentos do DF e garantiu que "processos de ricos e pobres recebem a mesma atenção".

GUERRA É GUERRA
O departamento logístico do Exército já garantiu as munições para o próximo ano. Foram R$ 5 milhões para a aquisição dos cartuchos.

VOA LULA, VOA
Um leitor gaúcho propõe a campanha "Lula, 365 dias fora do Brasil": atribui o bom momento do País ao fato de que sem o presidente, quem manda é o chefão do Banco Central, Henrique Meirelles.

URTICÁRIA LOCALIZADA
Em conversa com o ex-governador Esperidião Amin (SC), o senador Arthur Virgílio revelou certa vez ter "urticária" do ex-prefeito Paulo Maluf, tal a sua aversão ao correligionário do catarinense. Amin pegou sua mão: - Quero ver se você tem urticária também pelos correligionários de Maluf. Arthur descartou: - Minha urticária é localizada, só aparece em São Paulo.

CORRENDO CONTRA O TEMPO NO STJ
Tem ministro do Superior Tribunal de Justiça incomodado com a Meta 2, esforço do Judiciário para julgar processos que ingressaram até dezembro de 2005. São tantos atrasados, que as distribuições nem mesmo respeitam a Seção a que o magistrado pertence. Já são cinco desembargadores convocados para correr contra o tempo.

LUZ É PRECISO
A Câmara dos Deputados estará livre de apagões em 2010: comprou por R$ 500 mil um gerador de energia que garante luz por 12 horas.

ÁGUA NA MEIA...
O Guará, um dos bairros mais populosos do DF, ficou sem água de domingo a quarta-feira, em meio aos preparativos do Natal.

MEU FILHO, NÃO
Nem no tranco pega o projeto do senador Cristovam Buarque (foto) para políticos colocarem filhos em escola pública: o prefeito do Rio, Eduardo Paes, por exemplo, paga cerca de R$ 2 mil na "top" Suíço-Brasileira.

A FESTA DE CADA UM
O governador do DF, José Roberto Arruda (sem partido), preferiu ficar em Brasília, mas o vice Paulo Otávio (DEM) foi para São Paulo. O presidente da Câmara Legislativa, Leonardo Prudente, aquele do dinheiro na meia, preferiu Goiás, terra de Delúbio Soares.

"MOTHER DINAH"
Um grupo de jornalistas do jornal britânico Financial Times previu que o Brasil será campeão da Copa de 2010, na África do Sul, e a ministra Dilma a futura presidente. Elementar a primeira previsão, meus caros.

ALÔ, PRESIDENTE
A Presidência da República vai gastar quase R$ 2 milhões em operação e manutenção das centrais telefônicas do Palácio do Planalto, em 2010.

...E PANETONE NO ESCURO
Além da falta d'água, o governo do DF anuncia que faltará luz em vários bairros de Brasília. Durval Barbosa vai precisar de pilha para filmar.

OBRAS EM RISCO
Falta de segurança põe em risco as obras de arte no Museu da República, na Esplanada dos Ministérios, recém-inaugurado. Algumas peças já estão danificadas porque os visitantes insistem em tocá-las.

AJUDA AO TIMOR
Uma professora no Timor Leste, país de língua portuguesa que ficou sob o domínio da Indonésia por 24 anos, faz um apelo na internet para doação de dois quilos de livros. De Portugal, sai por R$ 5.

SEM INCENTIVO
O problema é que para mandar do Brasil, a encomenda sai por R$ 76. E não tem essa de tarifa econômica dos Correios, não. O Brasil tem vários professores no Timor, mas falta incentivo para enviar livros.

CARLOS ALBERTO SARDENBERG

Custo Brasil ou vítimas da legalidade - 3


O Estado de S. Paulo - 04/01/2010

Com nota? - Do leitor Livio Euler de Araujo, químico industrial metalurgista, já aposentado, com 85 anos ("ainda trabalhando onde consigo ser aceito com essa idade, pois nessa "Terra de Deus" - dizem que Deus é brasileiro -, o aposentado, se não for rico, não consegue levar vida decente"), dois casos.

Primeiro: "Para montar uma cerâmica, encontrei uma fazenda na região de Sorocaba e, depois das habituais dificuldades burocráticas e financeiras, consegui trazer energia elétrica para o local. Firmei acordo com a proprietária da fazenda (para pagamento da retirada de argila). Montei quatro fornos e comprei o equipamento (misturador, maromba, correias transportadoras, bombas, tanque d"água e trator com escavadeira e carreta). Investimento, na época, de 300 mil cruzeiros. Admiti os operadores e um mestre encarregado e pus-me a vender a produção.

Não foi difícil fazer freguesia, pois meu produto era bom e o preço, de mercado. Passados alguns meses, verifiquei que movimentava bastante dinheiro, mas "estava trocando fava", isto é, apesar da produção, a receita mal dava (quando dava) para pagar as despesas com combustível, energia elétrica e pessoal, todo ele admitido com registro em carteira de trabalho. Nunca vendi uma só peça sem a respectiva nota fiscal. Minha contabilidade era transparente, recolhia todos os impostos e encargos sociais, mas o balancete no fim do mês não dava lucro.

Vendi a empresa, embora não tenha conseguido fazê-lo pelo preço que paguei. Depois dessa decepção, conversando com ex-concorrentes, um deles me perguntou: "Quanto você vendia sem nota?"

"Nem um cruzeiro", respondi.

"Você é doido, mês em que vendo menos que metade da minha produção sem nota é um mês ruim para mim.""

Segundo caso: "Voltei a trabalhar na indústria, aprendi a reciclar alumínio e decidi fazer outra tentativa de me tornar independente. Observei que para reciclar alumínio (e outros materiais) a empresa está na dependência dos sucateiros, que são organizados entre si como um "sistema de máfia", com o qual eu não queria me comprometer. Concebi um sistema de obtenção de sucata de alumínio sem depender de sucateiros. Montei uma firma representante de alguns dos melhores fabricantes de panelas, caldeirões e frigideiras, etc. Estabeleci um sistema de venda porta a porta, em que recebia panelas velhas, amassadas e inutilizadas, como parte do pagamento pelas novas. Para andar de acordo com a lei imprimi talões de compra e, cada vez que recebia panelas sucateadas como parte do pagamento, emitia uma nota fiscal de compra. Montei um depósito de panelas e iniciei esse serviço em domicilio, ou seja, porta a porta.

Funcionou e comecei a ter lucro. Isso durou até que fui visitado por um fiscal da subprefeitura do meu bairro, que, tendo examinado minha escrita (feita por um escritório de contabilidade), declarou abertamente que eu estava vendendo sem nota, e ele queria propina mensal para "não tomar conhecimento da minha sonegação". Eu me recusei a entrar no esquema, ao que o fiscal corrupto, como represália, lançou impostos "por estimativa" num valor de 600% do que eu realmente vendia. Fechei a firma no dia seguinte."

Justiça cara e ruim - Do leitor Cloder Rivas Matos: "Aluguei um imóvel a portador de extensa ficha policial, que minha pesquisa não constatou. Depois de assinar o contrato e receber as chaves, o sujeito desapareceu. Recorri à Justiça.

O juiz me obrigou a citar o acusado pelos jornais. Custo. O imóvel ficou fechado dois anos à espera de visita do oficial de Justiça. Perdi 24 meses de aluguel.

Ao ser citado, o acusado me ameaçou de morte, dizendo: "Para mim, uma a mais, outra a menos." Desisti da ação e paguei honorários do advogado. Meus direitos humanos foram desrespeitados e não recebi nenhum habeas corpus."

Regras para o governo - O leitor Luiz Otavio Carneiro sugere "que ao cidadão sejam garantidos os mesmos direitos que se dão ao Estado. Por exemplo: o Imposto de Renda pago a maior tem de ser devolvido à vista, ou incidirão multas, etc. sobre o Estado. Todo cidadão teria o direito de pagar seus compromissos "líquidos e certos" nas mesmas condições do precatório. Essa lei teria o nome de "pau que dá em Chico dá em Francisco"." E também: "Que o agente do Estado - auditor da Receita, juiz, fiscal do INSS, etc. - que tivesse seus atos revogados pela Justiça por três vezes perdesse seu cargo, por incompetência. E para ser justo, o advogado que contestasse as decisões e perdesse por três vezes também perderia sua OAB. Essa lei teria o nome de "Strike 3" brasileiro, para lembrar lei parecida dos EUA."

Diz o leitor: "Sofri na pele o "custo Brasil" em autos de infração da Receita Federal absolutamente ridículos, mas que me levaram aos tribunais, em processos de fazer inveja ao Cirque du Soleil, por seu contorcionismo jurídico. O que aconteceu ao fiscal e aos juízes cujos erros foram provados? Nada.

Se existisse um único partido político capaz de colocar metas numéricas em seu plano de governo, eu me sentiria feliz. Metas para carga fiscal, meta para pagamento de juros, metas para participação do Estado no PIB e outras mais. Alguém duvida que, se o Brasil vendesse suas estatais - deixa a CEF, o BNDES e a prospecção da Petrobrás -, o País continuaria o mesmo, ou melhor, a dívida interna seria quase que anulada, permitindo reduzir carga fiscal e aumentar investimentos públicos?"

ANCELMO GÓIS

A bola da fortuna

O GLOBO - 04/01/10


O Tribunal de Justiça do Rio concedeu liminar à CBF mandando a Coca-Cola retirar do ar anúncio em que aparece o ex-jogador Bebeto.
A CBF diz que a empresa usou símbolos, um tanto estilizados, da seleção brasileira.

A passo de cágado
Veja só como há uma grande distância entre o discurso e a prática na hora de gastar.
O governo federal estava autorizado a aplicar R$ 54,5 bilhões em investimentos em 2009. Porém, entre contratar, gastar e pagar, só desembolsou R$ 12 bilhões ao longo do ano todo.
Ou seja, usou efetivamente apenas 22% do que era permitido no orçamento. O cálculo é da ONG Contas Abertas, com base em dados do Siafi e do Tesouro Nacional.

Segue...
Veja o caso do esporte, tido como prioritário por causa das Olimpíadas de 2016 e da Copa de 2014.
Em 2009, o programa Esporte e Lazer na Cidade podia gastar R$ 970 milhões.
Mas só pagou R$ 4 milhões (ou apenas 0,42%).

Abertura de capital
O banqueiro André Esteves deve abrir o capital do seu BTG Pactual neste semestre, com uma avaliação de uns R$ 10 bilhões.

Menino do Rio
Fernando Henrique estava ontem nas areias da Praia do Leblon.
Foi aplaudido.

Dada a largada
Cerca de 100 mil pessoas foram assistir sábado agora o filme “Lula, o Filho do Brasil”, dirigido por Fábio Barreto, em 350 salas espalhadas por todo o país.
É mais do que um Maracanã lotado.

Eu sou limpinho
O ministro Edson Lobão reage bem humorado às criticas de que é um inimigo dos ambientalistas: — A nossa matriz energética contribuiu para a poluição muito pouco: apenas 2,5%.
Quem polui muito no Brasil é o desmatamento. Este é que deve ser o foco do “Doutor Minc”.

O Brasil é o quente
Dia 12 agora vai começar em Cancún, no México, a 14aConferência Santander América Latina, pajelança de investidores internacionais.
Este ano há um número recorde de investidores do hemisfério norte inscritos para o evento. É gente que, além de buscar um pretexto para fugir do frio, está interessada principalmente no Brasil, dizem os organizadores.

O imortal Gil
Há uma articulação para fazer do ex-ministro Gilberto Gil integrante da Academia Brasileira de Letras.

ZONA FRANCA

Você já votou na Mulata do Gois (oglobo.com.br/ mulatadogois2010)?

"Sassaricando", o musical de Sérgio Cabral, pai, e Rosa Maria Araújo, emplaca sua 4ª temporada. Reestreia dia 8 no Carlos Gomes.

O procurador-geral de Justiça do Rio, Cláudio Lopes, abrirá na sede do Ministério Público um novo espaço cultural para a cidade.

Sinfrerj empossa diretoria com Juarez Barcellos de Sá, Ricardo Brand, Francisco Genu e outros.

Você já votou no Mulato do Gois (oglobo.com.br/ mulatodogois2010)?

Ser ou não ser?

Desde a época de Cesar Maia, a ideia da Prefeitura é entregar à Fundação Orquestra Sinfônica Brasileira (OSB) a concessão da Cidade da Música.
Em 2008, a OSB chegou a vencer uma licitação para administrar o local.
Só que hoje é a própria direção da Orquestra que já tem dúvidas se deve ou não assumir este pepino.

Alô Tarso Genro!

No sábado, dia 2, no GaleãoTom Jobim — sempre ele —, a fila de atendimento pela Polícia Federal para quem precisava embarcar para o exterior demorava horas.
Vários voos da TAP, da TAM e da US Airways, entre outras empresas, atrasaram.

Sustentável

Gelson Serva, ex-diretor da Empresa de Planejamento Energético, será o novo subsecretário de Desenvolvimento Sustentável da Secretaria estadual do Ambiente, do Rio.

Petróleo é ouro

O aeroporto de Cabo Frio deve receber este ano em torno de 200 voos de carga provenientes do exterior, geralmente com equipamentos para perfuração de petróleo.
No ano passado, foram 90.

JOÃO HELIOFAR DE JESUS VILLAR

Corrupção: o ovo da serpente

FOLHA DE SÃO PAULO - 04/01/10



Quem atua na fiscalização das eleições sabe que todo o sistema foi desenhado para não funcionar e que a fiscalização é impossível


O ESCÂNDALO envolvendo o governo do Distrito Federal gerou diversas manifestações acerca da causa da corrupção no país.
A impunidade é uma das mais lembradas. Ninguém duvida de que a impunidade é um câncer, mas o diagnóstico de quem vê aí o motor da corrupção está distorcido. Impunidade há em todo lugar, tanto no narcotráfico quanto no homicídio, e não é um mal específico do assalto aos cofres públicos.
Quem acompanha de perto o jogo político e as campanhas eleitorais não tem dúvida de qual é a fonte da roubalheira oficial no Brasil. O ovo da serpente é o financiamento da corrida eleitoral. Como procurador regional eleitoral no Rio Grande do Sul, tive a oportunidade de atuar em quatro eleições e refletir demoradamente sobre essa loucura que é o processo das eleições no Brasil.
Quem trabalha na fiscalização dos pleitos sabe que o sistema está desenhado para não funcionar. Não se trata de fiscalização ineficiente e sim de fiscalização impossível. Num Estado como São Paulo, participam das eleições gerais milhares de candidatos, cada um com sua campanha, suas contas e seu financiamento. Nesse quadro, que fiscalização seria possível? Não se trata de uma campanha por partido, como ditaria a racionalidade e como acontece na maioria dos países da Europa. Também não é uma campanha por distrito, como ocorre nos Estados Unidos, em que o partido possui apenas um candidato por distrito.
A campanha no Brasil é uma geleia geral, com mais de uma centena de candidatos por partido, cada um com sua campanha, brigando contra todos, inclusive contra correligionários.
O quadro é de uma irracionalidade inacreditável. Na verdade, cada candidato é uma campanha eleitoral, e o partido atua como mero coadjuvante.
Pois bem, impossível a fiscalização, surge um outro agravante. As campanhas são caríssimas. Um candidato a deputado federal, por exemplo, que pretenda se eleger e fazer uma campanha competitiva, precisará despender uma soma enorme de recursos. Há quem fale em quinhentos mil reais (os dados não são exatos, pois não se dispõe de estatísticas confiáveis, na medida em que ninguém pode afirmar que os recursos declarados espelhem a realidade). Como um candidato, com renda mediana, reunirá essa soma de recursos para se lançar numa aventura de sucesso incerto?
Como se vê, os candidatos dependem desesperadamente de recursos para competir em igualdade de armas com os demais, num sistema de fiscalização inviável. Um candidato não pode contar com o seu partido. Resultado: a necessidade absurda de obter recursos do setor privado torna a via lícita de arrecadação estreita demais, razão por que há um consenso silencioso na classe política de que o caixa dois é uma necessidade inafastável na vida real e de que esta nada tem a ver com o desenho platônico das regras que regulam a arrecadação de recursos na legislação eleitoral.
Pois bem, o caixa dois corre solto e o sistema permite que a classe política considere o artifício moralmente justificável: "Sou uma vítima do sistema". Não é de graça que todo agente público, flagrado com dinheiro na cueca ou na meia, usa sempre a mesma defesa, "a propina se destinava ao caixa de campanha". O leigo se pergunta: "Como alguém pode se defender de um crime confessando outro delito?". É que o caixa dois seria, por assim dizer, inevitável. É ilícito mas não tem nem a sombra da reprovabilidade moral da corrupção. Caixa dois na campanha é como contrabando de sacoleiro, previsto na legislação penal, mas tolerado por todos. É algo, alguém diria, que só os hipócritas condenam, pois quem vive na vida real da política sabe que sua prática é necessária. E mais, o dilema é invencível.
Ou se admite o caixa dois ou se inviabiliza a competitividade na eleição.
O duro é que o caixa dois não é assim tão inocente. Cria um vínculo maldito entre financiador e candidato, pois a dívida que surge na campanha será paga na administração. Como o eleito vai tratar com isenção um empresário que alimentou substancialmente sua campanha? E o vínculo do financiamento eleitoral tende a se converter na promiscuidade da administração. E tudo será justificado pela necessidade de se financiar futuras corridas eleitorais. E o círculo vicioso não terá fim, especialmente porque a generosidade do financiador, estimulada pelos privilégios da administração, tende a se avantajar, e os recursos públicos e privados, agora já indistinguíveis, financiarão, além da campanha, um carro novo, um iate, uma amante etc. etc.
O que fazer? Esse quadro não vai mudar até que a sociedade se conscientize de que o sistema eleitoral está sob maldição. Ou se muda o sistema ou se mantém intacto o ovo da serpente.

JOÃO HELIOFAR DE JESUS VILLAR, 47, é membro do Ministério Público Federal e atua na Procuradoria Regional da República na 4ª Região. Foi procurador regional eleitoral do Rio Grande do Sul de 2004 a 2008.