quarta-feira, dezembro 29, 2010

VINICIUS MOTA

Menos férias
VINICIUS MOTA

FOLHA DE SÃO PAULO - 29/12/10

A minha geração, que entrou na escola entre o final da década de 1970 e o início da seguinte, gozava férias intermináveis de verão. O ano letivo mal entrava em dezembro e só se reiniciava de fato após o Carnaval. Quando, como neste ano, o feriado caía em março, era a glória suprema.
Mesmo no período de aulas, o tempo livre à disposição da criança era monumental. Tínhamos uma manhã ou uma tarde, sem falar da noite, livre para criar raízes diante da TV, brincar, aprontar e até resolver o dever de casa.
Um pensamento preguiçoso ajudava a justificar tanto tempo de ócio. A criança, dizia-se, precisava de espaço para desenvolver a criatividade e interagir na comunidade. O contato com a realidade extraescolar nas camadas mais pobres era mitificado em pedagogias da moda: aí estaria o substrato que, retrabalhado, revolucionaria a nação.
Quem mediu a resultante dessa combinação de descaso, escassez de investimento e fabulação teórica encontrou resposta atordoante. Fora da escola, o desempenho evolui de fato -mas o das crianças mais ricas, que têm estrutura familiar e pais com recursos e disposição para investir em atividades que ocupem o tempo.
O sociólogo Karl Alexander comparou provas aplicadas no fim do período letivo com testes feitos no início do ano escolar subsequente em Baltimore (costa leste dos EUA).
Enquanto alunos mais ricos melhoraram nitidamente nas férias, os mais pobres rondaram a estagnação, quando não pioraram. Já durante as aulas, a evolução foi homogênea entre as classes de renda.
O estudo concluiu que o deficit de desempenho de pobres em relação a ricos nos primeiros anos de ensino formal é explicado não pelo período em classe, mas pelo tempo fora da escola. Em vez de ajudar na emancipação dos pobres, férias longas -e tardes inteiras sem atividade escolar- ampliam as diferenças sociais.
Em 1990, havia quase 25 milhões de brasileiros até 6 anos de idade. Essa população já caiu para 22 milhões e será de 19 milhões em meados da próxima década. O Brasil universalizou o ensino fundamental no auge da demanda pelo serviço. Daqui por diante haverá desafogo para adaptar a estrutura existente a um programa que aumente o tempo de presença dos alunos na escola.
Não chega a 5% a fatia de estudantes da rede pública que ficam ao menos sete horas por dia na escola. Para cada 10 crianças no regime integral, ainda há 17 cuja carga diária é inferior às quatro horas legais.
Quanto aos dias letivos, hoje de 200 por ano, se não é preciso almejar os 243 dias dos japoneses, os 220 dos sul-coreanos configuram alvo razoável, a ser atingido, por que não, em quatro anos. Eis uma meta para Dilma Rousseff, que não esconde a simpatia pelo desenvolvimento da Coreia do Sul.
VINICIUS MOTA é secretário de Redação.

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