sexta-feira, novembro 05, 2010

VINICIUS TORRES FREIRE

HORA DE OLHAR PARA O UMBIGO
VINICIUS TORRES FREIRE
FOLHA DE SÃO PAULO - 05/11/10


Brasil vai pedir que EUA mudem política monetária e que China mude política comercial. Não vai dar certo




O MINISTRO da Fazenda, Guido Mantega, disse cobras e escorpiões a respeito da decisão do banco central americano, o Fed, de despejar mais dinheiro na economia a fim de reavivar consumo e investimento.
Como quase todo mundo, argumenta que boa parte do dinheiro vai vazar pelas fronteiras. O Fed apenas estaria financiando, a custo quase zero, a compra de moedas de emergentes e de países produtores de commodities, especulação com as próprias commodities (metais, comida), de ações em Bolsa etc.
No que importa mais imediatamente ao Brasil, tal movimento de dinheiro deve valorizar ainda mais o real, dificultar exportações e facilitar importações, entre outras "perdas" de dinheiro para o exterior.
Dilma Rousseff e Lula dizem que vão ao encontro de cúpula do G20 com a proposta de uma coordenação mundial de políticas econômicas a fim de evitar danos como os provocados por EUA e China.
Qual a proposta? Segundo integrantes do governo: 1) Pedir aos governos americano e europeus que gastem mais (estímulo fiscal) e fechem as torneiras monetárias; 2) Pedir à China, à Alemanha e ao Japão e cia. que reduzam os superavit comerciais (exportações menos importações), incentivando a demanda doméstica (consumo no país).
Note-se de passagem que essa é mais ou menos a proposta que os EUA apresentaram à cúpula preparatória do G20, no mês passado. Mas se dizia que o Brasil estava "aliado à China". Estava? Uhm.
Qual o possível efeito prático da sugestão brasileira? Nenhum, ou quase isso, a julgar por atos e declarações recentes das lideranças de todos esses países maiores.
Os Estados Unidos acabam de deslanchar a fase dois da abertura de comportas monetárias. Fase dois: apesar do barulho mundial acerca da decisão do Fed de ontem, de inundar o mercado com mais US$ 600 bilhões a US$ 900 bilhões até junho de 2011, o Fed já havia despejado US$ 1,7 trilhão entre o estouro da crise, em 2008, e março de 2010. É possível que, se não aparecerem resultados, venha a fase três do "kiwi" (pronúncia em inglês do acrônimo QE, "quantitative easing", relaxamento monetário).
Isto é, pode haver "QE3" se o conflito político nos EUA não chegar ao ponto em que republicanos alucinados ponham até o Fed na parede. Por falar em conflito e republicanos, será agora ainda mais difícil haver estímulo fiscal (gasto do governo) nos EUA, onde a confusão política e econômica será grande até 2012.
A China já disse, repete e demonstra que não fará movimentos bruscos, valorizações abruptas do yuan ou medidas que reduzam seu crescimento "voltado para fora", de muita poupança e exportação.
A Alemanha quer justamente obrigar a Europa a gastar menos; de resto, o BC Europeu não entrou na onda do "relaxamento monetário". O Reino Unido acabou de baixar um corte bárbaro de gastos, mas vai também de "QE", como os EUA.
O Brasil tem de passar sebo nas canelas e correr sozinho. Reduzir gasto público, dar apoio a suas empresas (baixando o peso fiscal e burocrático), regular direito o fluxo de capitais e se preparar até para bolhas ou quedas abruptas em mercados de ações (lá fora) e de commodities, tropeços chineses e protecionismos vários. O mundo está ficando um lugar ainda mais perigoso.

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