quarta-feira, novembro 03, 2010

RUY CASTRO

Estado gasoso
RUY CASTRO
FOLHA DE SÃO PAULO - 03/11/10

RIO DE JANEIRO - Um aspirante a dramaturgo teve uma ideia para uma peça sobre a atualidade política. Seria uma comédia de terror. Boa ideia, mas impraticável: ninguém se atreverá a montá-la. Daí ele não fazer segredo sobre a trama.
A cena se passaria em Brasília, nos primeiros meses de 2011. O protagonista seria o ex-presidente Lula, vagando pelo Planalto ainda sem entender a transformação de seu antigo estado sólido para uma consistência quase gasosa, típica dos ex-presidentes. Em sua nova condição ectoplásmica, ele vê e ouve o que acontece à sua volta, mas não pode interferir porque ninguém mais o ouve ou vê no âmbito do poder.
Inconformado por ter deixado de influir, o ex-presidente tenta se comunicar com velhos aliados como José Alencar, José Sarney e Orestes Quércia. Mas eles também já não estão com essa bola, e Lula é obrigado a apelar para sovados truques do terrir, como o som de correntes arrastadas, corujas piando na madrugada e candelabros ameaçando cair sobre os novos ocupantes do palácio. A história termina com Lula fugindo da zona fantasma para fundar um partido de oposição e tentar frustrar os planos continuístas da presidente Dilma Rousseff.
É ficção, claro, mas já há quem se pergunte quanto tempo Lula levará para se desligar intimamente da gloriosa rotina que viveu nos últimos oito anos. O ideal seria que houvesse uma câmara de descompressão para ex-presidentes, que lhes permitisse hibernar por três meses e só acordar depois de o novo presidente ter tomado pé.
Mas esse aparelho ainda não existe e, por muitos meses, Lula continuará ao largo, dando palpite na condução dos negócios, impacientando-se por não ver suas sugestões acatadas e começando a desconfiar de que o termo de Dilma não será, como ele esperava, um -com todo o respeito- mandato-tampão.

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