domingo, novembro 21, 2010

ELIO GASPARI

Os dois cocheiros soltaram as rédeas
ELIO GASPARI
FOLHA DE SÃO PAULO - 21/11/10


O governo tem 2 presidentes, mas não tem rumo; depois da reinvenção da CPMF, veio o incentivo à tavolagem




NOSSO GUIA e a doutora Dilma estão como os cocheiros de uma diligência que soltaram as rédeas dos cavalos. Durante a campanha eleitoral prometeram rios de mel. Vitoriosos, presidem um país onde a agenda perdeu o rumo.
Quiseram ressuscitar a CPMF. Mudaram de assunto, reuniram o Conselho Político do governo e apareceu o deputado Paulo Pereira da Silva (PDT), propondo a legalização dos bingos para custear aumentos salariais de servidores. Teve o apoio do deputado Sandro Mabel (PR), interessado no que chamou de "um presente" para a saúde. Durante a última legislatura, ambos foram glorificados por seus pares, que os absolveram em processos de cassação de seus mandatos. Mabel foi salvo no plenário, por 304 votos contra 108. Paulo Pereira, por 10 a 4, na Comissão de Ética.
Afora o incentivo à tavolagem, abriu-se um debate em torno da participação do PMDB no governo. Ganha uma viagem a Cuba quem souber de uma só proposta que não envolva a ocupação (ou manutenção) de cargos e controle de verbas.
Mabel habilitou-se ao prêmio Maria Antonieta ao justificar sua simpatia pelo aumento do salário mínimo: "O pessoal come mais biscoito". (O doutor é dono da marca do mesmo nome.)
A única coisa que funcionou nas últimas semanas foi a operação-abafa para manter Erenice Guerra longe dos refletores.
Em tempo: Maria Antonieta nunca disse que, sem pão, o povo deveria comer brioches, mas ficou com a fama.

OLHO AMERICANO
A diplomacia americana recolocou na sua agenda o interesse de criar uma presença policial-militar no Paraguai. Durante o governo Bush tentou-se montar uma base aérea na pista de Marechal Estigarribia. A proposta foi arquivada e renasceu sob a forma de um acordo de treinamento da polícia paraguaia.
Nos últimos meses, Washington mandou a Assunção dois capas-pretas do Departamento de Estado e do Pentágono.
A iniciativa busca a simpatia do vice-presidente Federico Franco, que está com olho gordo no mandato de Fernando Lugo, abatido por um câncer linfático que em outubro passado colocou sua vida em risco.
O aparelho de segurança americano já algemou, pelas costas e pelos pés, uma passageira brasileira num voo do Texas para o Rio. Quando a senhora deu queixa à Polícia Federal, dois agentes da Administração de Segurança de Transportes, a TSA, tiveram seus passaportes retidos até que se explicassem, numa audiência judicial marcada para dias depois. Os agentes simplesmente sumiram, certamente com documentos inadequados. Passou-se um mês da delinquência e o governo brasileiro finge que não soube de nada.

LIMPEZA
Desde setembro a caixa-preta das terras da Barra da Tijuca está ameaçada por uma recomendação do Conselho Nacional de Justiça para que seja aberta uma investigação em torno dos litígios de registro de terras no 9º Cartório de Registro de Imóveis do Rio.
Se todas as escrituras daquela região tivessem validade, a Barra teria vários andares, como o Acre.

KATE CHEGOU LÁ
Kate Middleton, a futura rainha Catherine, não será apenas a primeira filha do povo a botar o coroa inglesa na cabeça em 350 anos. A bela morena será muito mais:
A primeira rainha com curso superior, formada em história da arte.
A primeira rainha filha de pais que trabalharam para encher a geladeira. Mãe aeromoça e pai despachante de voo.
A primeira rainha que teve namorado firme antes do príncipe. O moço (Rupert Finch) formou-se em direito e não fala sobre o assunto.
Uma rainha neta de carpinteiro, bisneta de estucador, descendente de mineiros de carvão, gente que morria de doenças pulmonares.
Enquanto Lady Di saiu da aristocracia destrambelhada (seu pai entrou com ela na catedral de Saint Paul inteiramente chapado), Kate vem de famílias da classe média e do andar de baixo, com mulheres fortes. Sua bisavó enviuvou aos 39 anos, ficou na miséria, bebeu tudo a que tinha direito, mas educou direito os filhos. A avó batalhou para tirar a família da periferia de Londres e colocou a filha numa escola privada. (Dorothy Harrison morreu em 2006, sabendo que a neta namorava o futuro rei da Inglaterra.) A mãe montou em casa uma empresa para abastecer festas de crianças. Hoje é milionária.
Finalmente, uma celebridade que merece atenção.
(Todas essas informações estão no livro "Kate Middleton: Princess in Waiting", de Claudia Joseph, US$ 9,99 no iPad ou no Kindle.)

MADAME NATASHA
Madame Natasha concedeu mais uma de suas bolsas de estudo ao Nosso Guia por um trecho de seu discurso ao presidente de Zâmbia. Ele disse:
"Hoje, é o deficit de legitimidade dos mecanismos de governança global que se sobressai".
Quando falava seu português, Lula diria: "As burocracias internacionais não estão funcionando".

A CAÇADA DE EICHMANN CONSERTOU A HISTÓRIA

Está nas livrarias "Caçando Eichmann", do jornalista americano Neal Bascomb. Conta a história da captura do coronel alemão Adolf Eichmann, o poderoso arquiteto do extermínio de 6 milhões de judeus em campos de concentração nazistas.
Passados 75 anos do fim da Segunda Guerra, 50 do sequestro de "Ricardo Klement" numa rua escura da periferia de Buenos Aires e 48 do seu enforcamento numa prisão de Tel-Aviv, Bascomb conciliou despretensiosamente uma narrativa cinematográfica com a grandeza de um acontecimento histórico que iniciou a rediscussão do Holocausto.
Amparado por uma rede de nazistas e de padres católicos, Eichmann chegou à Argentina em 1950. O grão-burocrata do extermínio que, em Viena, despachava no palácio Rothschild, vivia numa região sem abastecimento de água e eletricidade. Trabalhava como capataz na Mercedes-Benz.
Em tese, Eichmann era um dos homens mais procurados do mundo. Na prática, falar do Holocausto era quase falta de educação. A própria palavra só adquiriria o sentido que tem hoje nos anos 60. O livro "A Noite", de Elie Wiesel, foi rejeitado por vários editores e sua primeira edição americana vendeu apenas mil exemplares.
Nos anos seguintes ao fim da guerra, 10 mil foragidos nazistas esconderam-se nos Estados Unidos. O governo alemão sabia que Eichmann estava na Argentina e nunca se interessou na sua captura.
A denúncia da verdadeira identidade de "Ricardo Klement" veio de um cego. Quando os israelenses comprovaram que ele era Eichmann, o primeiro-ministro David Ben Gurion, um velhinho com cabeleira de algodão, mudou o curso da história. Propuseram-lhe que um comando o assassinasse, mas o patriarca do Estado judeu decidiu que ele devia ser trazido para Israel e levado a julgamento público.
Um homem e um punhado de agentes obrigaram o mundo a rever algo que se tentava esquecer.
A grandeza do episódio emerge do livro com suave naturalidade. Lê-se "Caçando Eichmann" como uma aventura, com vinhetas que superam a própria ficção. A identidade dos membros do comando que sequestrou o alemão era um dos segredos em Israel, até o dia em que um deles descobriu que mãe sabe tudo.

Um comentário:

  1. Anônimo1:37 PM

    Caros, em relação à recomendação do Conselho Nacional de Justiça sobre investigação de litígios de terra, alguém, por gentileza, sabe me informar que recomendação é essa? Ou o ato que originou tal investigação?

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