sábado, setembro 04, 2010

RUY CASTRO

 Por Newton Mendonça
Ruy Castro
FOLHA DE SÃO PAULO - 04/09/10


A música popular pode ser cruel. Dois homens passam anos compondo juntos, fertilizando-se um ao outro e, por vários motivos – um é cantor, o outro, não; um é tímido, o outro, exuberante; um morre cedo, o outro segue freneticamente ativo –, o segundo engole o primeiro e, talvez malgré lui, torna-se o único autor do que fizeram a dois.
Foi assim com Luiz Gonzaga e Humberto Teixeira, criadores do baião; com Nelson Cavaquinho e Guilherme de Brito, autores de Folhas secas, Pranto de poeta, A flor e o espinho, e também assim com Tom Jobim e Newton Mendonça, autores de, entre outros, Desafinado, Samba de uma nota só e Meditação. Mas, para o vulgo, só houve Luiz Gonzaga, Nelson Cavaquinho e Tom.
Newton Mendonça não cantava, era muito retraído e morreu aos 33 anos, em 1960 – justamente quando Samba de uma nota só começava a estourar. A posteridade converteu-o em letrista de Tom, como se ele fosse outro Vinicius ou Aloysio de Oliveira. Acontece que Newton era pianista, um músico completo – tanto quanto Tom, com quem compunha de igual para igual – e, só às vezes, letrista.
Sem ele naqueles anos cruciais, c. 1958, não teria havido a bossa nova. Não por acaso, das sete canções de Tom que, nesses mais de 50 anos, passaram de dois milhões de execuções estão as três com Newton, fundamentais.
Tom também morreu, em 1994, e desde então deu nome ao aeroporto internacional, ao entorno da Lagoa e a um instituto cultural e arrisca-se a virar estátua em Ipanema. Mas Newton nunca foi lembrado para batizar sequer uma sala de aula ou um torneio de peteca na praia.
Vem aí o parque da Bossa Nova, a ser construído pelo governo do Rio no Leblon. Se o chamassem parque Newton Mendonça, em homenagem ao fundador mais esquecido da bossa nova, seria uma reparação justa – e ainda insuficiente.

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