domingo, agosto 22, 2010

ELIO GASPARI

Peluso quer autonomia salarial 
Elio Gaspari
FOLHA DE SÃO PAULO - 22/08/10


O presidente do STF e o procurador-geral querem criar uma república soberana e automatizada



O PRESIDENTE DO Supremo Tribunal Federal, Cezar Peluso, e o procurador-geral da República, Roberto Gurgel, encaminharam ao Congresso projetos de lei que lhes transferem a tarefa de fixar os vencimentos dos servidores sob suas jurisdições. Atualmente, os reajustes salariais do Supremo e do Ministério Público dependem de aprovação pelo Congresso, como ocorre com o Orçamento da União.
A reivindicação desafia as instituições republicanas, os fundamentos da política econômica do Executivo, a lógica da contabilidade pública e os padrões internacionais. Desafia as instituições republicanas porque coloca o Supremo Tribunal e o Ministério Público ao largo do consentimento do Congresso Nacional em matéria salarial. Atribui-lhes mecanismos típicos das empresas privadas. Criam uma República Salarial Soberana e Automatizada.
Desafia a boa norma da economia porque chama de volta o tigre da indexação, que arruinou a economia do país por quase 30 anos.
Se a partir de 2012 fica assegurada a revisão anual soberana e, a partir de 2015, o Supremo e o Ministério Público federal puderem corrigir seus vencimentos com base nos critérios que os projetos mencionam, a festa deveria ser geral: "recuperação" de "poder aquisitivo" e "comparação" com vencimentos alheios, direto na folha.
Nesse mundo de alegrias, Peluso deveria ser premiado, acumulando sua cadeira no Supremo com a presidência do Banco Central e Roberto Gurgel ficaria com a Secretaria da Receita Federal.
A proposta ofende a lógica da contabilidade pública porque os salários dos ministros do Supremo servem de referência para os vencimentos dos servidores do Judiciário. Quando eles sobem, os demais vão junto.
O Supremo argumenta que os vencimentos da Justiça estão defasados e isso provoca uma inconveniente rotatividade no seu quadro de pessoal. (Esses vencimentos estão acima de outras carreiras do Estado, numa média R$ 13.290 mensais.) Se salários bastassem para fixar servidores, o STF não teria taxa de evasão. Desde 1986 o tribunal recebeu 20 novos ministros. Três foram-se embora muito antes de completar os 70 anos da aposentadoria compulsória (Celio Borja, Nelson Jobim e Francisco Rezek, que entrou, saiu, voltou a entrar e voltou a sair.) A ministra Ellen Gracie tentou trocar de corte em duas ocasiões e parece planejar uma terceira migração para a Europa.
Se há advogados ganhando, numa só causa, o equivalente à renda anual de um juiz ou ministro do Supremo, isso se deve a uma escolha que fizeram há tempo, ralando nas incertezas da atividade privada.
Juízes, promotores e ministros de cortes superiores ganham bem para os padrões de quem decidiu buscar a segurança do serviço público brasileiro, com suas aposentadorias integrais, inclusive para corruptos defenestrados. Há pouco, o STJ mandou embora o magistrado Paulo Medina, mas continuou obrigado, pela lei, a pagar seu cheque de R$ 25 mil mensais.
Os juízes e promotores brasileiros estão entre os mais bem remunerados do mundo. Nos Estados Unidos um juiz da Corte Suprema ganha 5,6 vezes mais que a média dos trabalhadores. No Brasil, um ministro do STF ganha 19,8 vezes mais.
Atualmente os ministros brasileiros recebem R$ 26.723 mensais e pedem um aumento para R$ 30.675. Reajustados, receberão o dobro do que é pago aos seus similares alemães. Na Europa, só o Reino Unido, a Irlanda e a Suíça pagam melhor aos seus altos magistrados.
Os juízes da corte americana custam US$ 214 mil anuais. No Brasil os ministros do STF recebem o equivalente a US$ 193 mil anuais, e receberão US$ 221 mil quando tiverem o aumento. A Viúva lhes dá casa, carro e motorista. Nos Estados Unidos só o presidente tem carro e o uso de servidores para pequenas tarefas extrajudiciais foi cortada pela Corte Rehnquist. (A mordomia fora coisa de seu antecessor, Warren Burger, um pavão que colocava almofada sobre o assento da cadeira para parecer maior na mesa de almoço.)

EFEITO AVATAR
O avanço de Marina Silva em alguns bolsões, sobretudo do Rio de Janeiro, tornou-se uma preocupação para petistas e tucanos. Querem saber de onde vêm seus adeptos, para prever para onde poderiam ir num eventual segundo turno.

PNLD
Por enquanto é apenas uma ideia, mas é boa. A partir do próximo programa de seleção de livros didáticos pelo MEC, os autores que tiverem obras recusadas pelos pareceristas do PNLD terão seus recursos julgados por uma banca pública numa reunião na qual irão defender a qualidade de seus trabalhos. Nessa ocasião, pela lógica, serão conhecidas as identidades dos pareceristas que desaconselharam o livro. Como ensinou o juiz americano Louis Brandeis, "a luz do Sol é o melhor desinfetante".

MINAS
Aécio Neves já se deu conta de que deverá suar a camisa para eleger Antonio Anastasia, mas está convencido de que ganha a parada.

MÃO E CONTRAMÃO
Enquanto o governo chinês joga bilhões de dólares na produção de carros elétricos e híbridos, o brasileiro faz o possível para manter esse assunto fora de sua agenda.
Enquanto os mercados da China e da Índia preparam-se para vender tabuletas baratas para a leitura de livros eletrônicos, a indústria nacional produz carroças caras e o governo finge que esse assunto pertence ao futuro, mantendo tarifas escorchantes para a importação dos aparelhos. (Tudo indica que ainda neste ano a Google lança uma tabuleta esperta, custando menos que os US$ 500 do iPad.) Foram muitos os fabricantes de carruagens que continuaram criando cavalos quando os primeiros automóveis passaram em frente aos seus estábulos.

SAÚDE E PODER

Dilma Rousseff enganou-se ao considerar "um pouco deselegante" a pergunta que lhe foi feita sobre sua saúde, particularmente sobre o câncer linfático que tratou no ano passado.
Tanto a pergunta é cabível que ela mesma esteve no hospital Sírio-Libanês para se submeter a exames e monitorar o resultado do tratamento.
Seria deselegante perguntar em 1966 ao general Costa e Silva como estavam suas coronárias? Estavam entupidas e ele saiu do ar em 1969, no meio do mandato, atirando o Brasil num período de anarquia militar.
Seria deselegante perguntar em 1978 ao general Figueiredo se era cardiopata? Era. Tivera um infarto que passara despercebido, e teve outro em 1981. Seu governo, que já tinha pouco rumo, perdeu-o de vez.
Seria deselegante perguntar em 1984 a Tancredo Neves porque vivia apalpando a virilha? Um tumor (cuja existência temia, mas não conhecia) incomodava-o havia meses.
Acaba de chegar às livrarias "O Paciente - O Caso Tancredo Neves", do jornalista Luís Mir. É uma história de horror, mentiras e mesquinharias. Metade do volume é de cópias de documentos hospitalares. Os médicos mentiram do início ao fim. Mentindo e brigando, agravaram o estado de Tancredo. Ele não precisava ser operado daquele jeito, naquele hospital, naquela madrugada do dia de sua posse na Presidência.
A pergunta feita a Dilma não foi deselegante, foi prática, em seu benefício. Permitiu-lhe explicar que se sente muito bem: "Ninguém com alguma doença segura uma campanha eleitoral como eu seguro. É do Oiapoque ao Chuí".

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