sexta-feira, maio 14, 2010

RUY CASTRO

Fernando  

Ruy Castro

FOLHA DE SÃO PAULO - 14/05/10


“Ué, vocês ainda se falam?”, perguntou Paulo Francis, ao me ver chegar com nosso amigo comum, o jornalista Fernando Pessoa Ferreira, ao lançamento de um livro seu, nos anos 90. Para Francis, num meio como a imprensa, as pessoas sempre teriam um motivo – político, profissional ou pessoal – para se desentender e cortar relações. Acontecera muitas vezes com ele próprio.
Mas não entre mim e Fernando. Conhecemo-nos em 1979, em São Paulo, quando fui trabalhar na Playboy, onde ele já estava. Ali começamos uma conversa que só se encerrou nesta quarta-feira, quando ele se foi, depois de longa luta contra um câncer. Nesses 31 anos, estivemos juntos em várias redações, inclusive na Folha, fomos vizinhos por muito tempo e viajamos, com mulheres e namoradas, para praias e carnavais.
Era um profissional à antiga, adepto da rua, e extraía uma boa história de qualquer besteira. Mas era também inestimável na cozinha: escrevia com humor, era craque em editar entrevistas e insuperável em titular matérias. “Curitiba, onde Jânio Quadros comia moscas”, sapecou, numa revista dirigida por Francis. O qual o adorava e, com típica brutalidade amorosa, o chamava de “o analfabeto mais culto do Brasil”. Fernando, monoglota assumido, gostava da definição.
Era pernambucano de Olinda, passara pelo Rio nos anos 60 e se fixara em São Paulo – conhecia a cidade como poucos e fez dela o cenário de um livro de contos, O umbigo do anjo, e do romance Os demônios morrem duas vezes. No hospital, na véspera da morte, assinou o contrato para a publicação de um novo romance, ironicamente intitulado O assovio da foice, que não verá impresso.
Não nos falaremos mais. Embora nos telefonássemos quase todos os dias, faltou dizer muita coisa.

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