terça-feira, março 09, 2010

LUIZ GARCIA


Até o retrato some
O GLOBO - 09/03/10

O presidente Lula desmentiu, outro dia, a notícia de que estaria disposto a se licenciar do mandato para cuidar exclusivamente da campanha de Dilma Rousseff à sua sucessão.

Desmentido inevitável, obrigatório.

Caso Lula reconhecesse abertamente que a candidata não parece ir longe com suas próprias pernas estaria confessando dois fracassos: o dela e o seu. Principalmente o seu. Raras vezes na história recente do país viu-se uma candidatura tão intimamente associada à vontade do presidente em exercício e tão distante, na origem, dos quadros e das cabeças importantes do partido no poder. Na carreira política, Dilma nasceu no PDT, partido aliado, mas de forma alguma irmão do PT. Não há grande exagero em dizer que foi escolhida herdeira do mandato de Lula simplesmente porque ele quis.

O que não se sabe é se o presidente ungiu a possível sucessora unicamente devido a qualidades pessoais que descobriu nela, ou porque não encontrou nome desejável — ou simplesmente digerível — nos quadros de seu próprio partido, debilitado por escândalos diversos. Principalmente, mas não unicamente, o do mensalão, que jogou na lata de lixo as ambições do candidato a príncipe herdeiro José Dirceu. Se o sucessor não pode ser PT, que diferença faz que seja mulher? De fato, a principal virtude de Dilma parece ser mesmo o fato de que até agora não teve seu nome associado a qualquer das estripulias praticadas por nomes históricos do PT. Como também não faz parte da história do sindicalismo brasileiro, em qualquer capítulo que mencione as lutas do partido.

Se for eleita, será uma vitória política quase que pessoal de Lula.

Principalmente se ninguém puder dizer que ele precisou largar o Planalto para carregar sua escolhida no colo, meses e meses, pelo país a fora.

Fora isso, independentemente de quanto pesar nas urnas a participação do presidente na campanha, ninguém pode prever como evoluirão as relações entre Lula e Dilma. Os mais cínicos da plateia — e apenas eles, naturalmente — talvez imaginem que é sempre assim: a cada dia que passa a criatura se distancia um pouco do criador, até que dele reste apenas o retrato na parede.

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