quarta-feira, fevereiro 24, 2010

PAULO RABELLO DE CASTRO

O PROJETO BIQUÍNI

FOLHA DE SÃO PAULO - 24/02/10


Transformar o país num centro financeiro global talvez exija um distrito, com regime jurídico especial


O SAUDOSO Roberto Campos costumava lembrar que o biquíni mostrava tudo menos o essencial. Foi do biquíni que me lembrei ao ler, primeiro a notícia e, em seguida, o editorial da Folha deste último domingo, formulando alvíssaras a projeto em gestação para "transformar o Brasil num centro financeiro de dimensão global". Embora soe grandiloquente, a ideia faz todo o sentido. O editorial opinou nessa direção. Mas, bem observa a Folha, é preciso antes esperar que os estudos venham a público. Como com o biquíni, à malta só nos resta especular.
E, especulando, lembramos que o Brasil já namora essa ideia desde os tempos de Vinicius e do lançamento do próprio biquíni. Juristas e financistas do então vibrante centro financeiro carioca se reuniram para formular a proposta que veio a se chamar de RIO DÓLAR. Eram outros tempos, diríamos mais rústicos. Porém a chama da liberação de regras cambiais então engessadas já pulsava na imaginação de quem via oportunidades de novos negócios, atração de capitais e geração de empregos no nascente setor de serviços financeiros. Era época de intensa criatividade em todos os sentidos, algo que vemos, talvez, despertar de novo no Brasil.
Só que faltavam o respaldo financeiro de reservas monetárias abundantes, o arcabouço legal e tributário para constituir tal centro, enfim, a avaliação de risco de crédito "soberano" (isto é, a capacidade e a vontade, verificáveis pelos investidores, do país de cumprir suas obrigações internacionais). Só uma coisa tínhamos de sobra para iniciar o RIO DÓLAR: o Rio-ele-mesmo, com seu charme anos 60!
Um centro financeiro com características de livre movimentação de depósitos e pagamentos, não obstante os necessários controles da autoridade monetária, e com certas isenções tributárias, até com certas garantias soberanas de liquidação de transações em moeda estrangeira, tudo isso exige constranger o espaço geográfico a um distrito financeiro especializado (o Leblon está nessa parada!) ou, no máximo, uma cidade-sede, dotada de bons acessos físicos e virtuais, além de virtudes de segurança que talvez só iremos encontrar na pacata Sacramento, em Minas...
O que não se sabe, desta vez, é se almejamos um projeto financeiro integracionista, ou seja, que liberalizará a legislação brasileira como um todo, deixando que as forças de acomodação no mercado elejam a localização geográfica desse novo centro de finanças livres, ou se é um projeto exclusivista (nenhum pejorativo nisso) por pré-selecionar a área a ser dotada de regime jurídico especial. Nesse caso, creio não estarmos falando de projeto Brasil, mas de plano para São Paulo.
Mesmo assim, voltamos às questões espinhosas: quanto mais alargue a jurisdição geográfica do centro financeiro, menos amplas serão as características de sua efetiva vantagem em termos de liberalização tributária e movimentação de capitais. Por isso, vejo em princípio, como mais vantajoso, caminhar na fórmula integracionista, que prevê uma revisão de toda a legislação pertinente, não encarecendo nenhuma competição prévia por localização específica.
Nesse sentido, lembramos que a Chicago Mercantile Exchange surgiu nos anos 70, por iniciativa pioneira de alguns traders com visão e um estudo encomendado a Milton Friedman, que defendia um sistema de taxas livres de câmbio, palavrão para keynesianos. Hoje esse centro se tornou um mercado trilionário, altamente empregador, sem que Chicago tenha virado cassino ou paraíso fiscal.

PAULO RABELLO DE CASTRO , 61, doutor em economia pela Universidade de Chicago (Estados Unidos), é vice-presidente do Instituto Atlântico e chairman da SR Rating, classificadora de riscos. Preside também a RC Consultores, consultoria econômica, e o Conselho de Planejamento Estratégico da Fecomercio SP. Escreve às quartas-feiras, a cada 15 dias, nesta coluna.

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