sexta-feira, fevereiro 05, 2010

LUIZ GARCIA

Com meia tromba

O GLOBO -05/02/10

Entende-se que um pai dê mais atenção aos filhos que gerou, e olhe menos pelos que a mulher trouxe do primeiro casamento. Mas não muito menos: afinal, a união é um pacote fechado. Não é justo deixar de lado os meninos, mesmo que tenham cara e jeito daquele cafajeste com quem madame teve o azar ou o mau gosto de se juntar.

Isso também vale para administradores públicos: sempre, ou quase sempre, a obra que o antecessor começou e deixou quase pronta, mesmo que seja o equivalente de uma manada de elefantes brancos, deve ser levada até o fim.

A não ser que fique mais barato para o contribuinte botar tudo no chão. Não parece que seja esse o caso com a Cidade da Música, que o ex-prefeito César Maia teve a má ideia e o mau gosto de plantar no meio de um cruzamento na Barra da Tijuca — e que o seu sucessor aparentemente prefere fingir que não existe.

Um levantamento apresentado pela vereadora Andréa Gouvêa Vieira, aproveitando dados apurados por uma CPI, é um bom retrato do problema. O dado obviamente mais importante é o financeiro. A obra já consumiu R$ 440 milhões, e os empreiteiros pedem mais R$ 230 milhões.

O prefeito Eduardo Paes só se dispõe a gastar R$ 50 milhões.

O arquiteto — um francês chamado Christian de Portzamparc, aparentemente contratado por César Maia devido à falta de bons profissionais brasileiros — alega que sua supervisão é indispensável para a conclusão da obra, e Paes se recusa a contratá-lo. No que até pode ter alguma razão: visto de fora, o elefante branco parece mesmo, como diríamos, paquidérmico.

Gosto não se discute, mas o destino de verbas públicas certamente merece atenção. A construção da Cidade da Música, ao preço previsto de R$ 670 milhões (se os empreiteiros acabarem obtendo da Prefeitura tudo o que pedem), é investimento altamente discutível.

No fim das contas — se as contas realmente chegarem ao fim — os poderes municipais terão de decidir o que é mais barato e vantajoso para a cidade. Completar a obra? Ou deixar o elefante branco do jeito que está, com meia tromba, como uma espécie de monumento à incompetência, ou coisa pior, de nossos administradores?

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