sexta-feira, fevereiro 26, 2010

FERNANDO DE BARROS E SILVA

"Lost"

FOLHA DE SÃO PAULO - 26/02/10


SÃO PAULO - Repare, leitor, nas três cenas seguintes: 1. Franklin Martins exibe um sorriso orgulhoso e abraça Fidel Castro, posando para que o próprio Lula os fotografasse juntos; 2. Irritado com a imprensa, Lula nega ter recebido apelos de grupos defensores dos direitos humanos para que intercedesse em favor do preso político Orlando Zapata: "Se essas pessoas tivessem falado comigo antes, eu teria pedido para ele parar a greve de fome e quem sabe teria evitado que morresse"; 3. Comentando o caso, o assessor de Lula para Assuntos Internacionais, Marco Aurélio Garcia, diz: "Há problemas de direitos humanos no mundo inteiro".
Franklin sorri, Lula engambela e Garcia avacalha. A morte do pedreiro Orlando Zapata, condenado a mais de 25 anos de prisão por discordar do regime, carimba de vergonha o passaporte da comitiva brasileira. Viajando com evidente disposição de render homenagens ao ditador e usufruir os dias finais da Disneylândia socialista, o governo Lula se omitiu alegremente, para depois tripudiar sobre o cadáver quando a realidade o emparedou.
Da tolerância com os desmandos do regime à idolatria pela figura de Fidel, subsiste no governo brasileiro (e amplamente na esquerda nativa) a "mitologia do bom tirano" -expressão do filósofo Ruy Fausto.
Em 2003, a onda de repressão aos dissidentes resultou no fuzilamento de três pessoas e em outras várias condenações à prisão perpétua. É isso o que está em jogo novamente. Para quem defende de fato os direitos humanos, pouco importa que a nomenclatura no poder há 50 anos tenha origem numa revolução feita em nome de ideais igualitários. Ela não é menos criminosa por isso.
Marco Aurélio Garcia não gosta dos seriados de TV americanos -"esterco cultural", ele disse. Mas é capaz de baratear os direitos humanos para não atrapalhar a estadia na ilha de "Lost". No congresso do PT, ele já havia dito (e Dilma Rousseff repetiu): "Não aceitamos lições de liberdade de quem não tem compromisso com ela". Bingo, Garcia!

Um comentário:

  1. O esterco ideológico
    (publicado no Observatório da Imprensa)

    Mentes autoritárias poderiam enxergar indícios conspiratórios na edição de 18 de fevereiro do caderno Ilustrada, da Folha de São Paulo. Afinal, em plena discussão do Projeto de Lei 29, que sofre ataques das operadoras de TVs por assinatura, o caderno publicou três páginas inteiras contendo elogios a elas. O pretexto da iniciativa foi uma crítica do assessor especial de Lula, Marco Aurélio Garcia, que qualificou o conteúdo televisivo importado dos EUA como “esterco cultural”.
    Entre os muitos depoimentos coletados pela jornalista Ana Paula Sousa, não há sequer uma ponderação favorável ao ponto de vista do assessor. Apenas um trecho de coluna resume de forma superficial o complexo PL, associado a um suposto dirigismo xenófobo. O resultado é uma matéria inexplicavelmente extensa e laudatória, que beneficia abertamente os adversários da regulamentação. Estes, aliás, anunciantes regulares do jornal.
    O idiossincrático Marco Aurélio Garcia é ótimo bode expiatório de causas subitamente libertárias. Qualquer contraponto rasteiro a seu “esterco ideológico” ganha ares de cosmopolitismo esclarecido. O assessor não tinha o direito de fazer “top-top”, em caráter privado, quando a imprensa tentava exercer sua “liberdade” de culpar o governo federal por um acidente aéreo. E quem é esse petista barbudo e preconceituoso para expor suas opiniões? Só um burocrata muito despótico ousa profanar tesouros culturais, que nos ensinam tanto sobre nós mesmos. Ele merecia ser jogado às galés.
    Os argumentos utilizados para defender a TV paga são constrangedores. Fala-se em livre-arbítrio numa relação irregular de consumo (venda casada), que impede o assinante de escolher os canais, forçando-o a pagar por pacotes indesejáveis. E pagar muito caro, recebendo imensidões publicitárias que suplantam a da própria TV aberta. Elogia-se a diversidade num universo monoglota, dominado por uma subcultura estadunidense de folhetim, com exibições defasadas e reprisadas exaustivamente. E, absurdo maior, comemora-se a pífia inserção de produções nacionais, relegadas a nichos irrelevantes, enquanto nossos filmes são boicotados no mercado exibidor, controlado pelos mesmos cartéis corporativos da TV por assinatura.
    Parece esperto reduzir o debate aos fãs de “Lost” e aos poucos profissionais que desfrutam de espaço “independente” no ramo. Afinal, trata-se mesmo de uma elite com interesses coincidentes. Mas logo parecerá novamente moderno e progressista exigir que o governo financie a sobrevivência da indústria televisiva. Democraticamente, é claro, e com dinheiro público.

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