quinta-feira, fevereiro 25, 2010

CARLOS ALBERTO SARDENBERG

Novos cotistas

O GLOBO - 25/02/10



No tempo em que as siderúrgicas eram estatais, lá pelos anos 70 e 80, um dos grandes negócios da praça era ter uma cota de venda de aço. O dono da cota era o intermediário entre a estatal e o comprador, obviamente ganhando uma comissão por isso. Na teoria, se dizia que os intermediários eram especialistas nesse mercado, sabendo como colocar a mercadoria em melhores condições.

Na prática, o sujeito ganhava o direito de vender tantas toneladas de aço, montava um escritoriozinho e colocava lá uma pessoa para atender telefone, o que não era fácil, dada a escassez de linhas, então também operadas por estatais.

Como se ganhava a cota? Não, não era concurso, nem licitação, nem outro método imparcial. Era uma escolha dos donos do poder.

Na última terça-feira, José Dirceu, defendendo-se da denúncia de estar fazendo lobby para um empresário, no caso Telebrás, disse que tudo se explicava pela “oposição política e ideológica” ao plano do governo Lula de recriar uma grande tele estatal.

Solicitado a especificar essa oposição, disse: “Evidentemente existe interesse das telefônicas, das TVs abertas, porque do quê estamos falando? De um mercado de bilhões e bilhões de reais. Vamos supor que se crie a Telebrás. Se as empresas do governo passam a trabalhar com a Telebrás, [isso] sai das empresas de telefonia.

É disso que se trata a discussão.” O presidente Lula já havia anunciado sua disposição de restabelecer a Telebrás com o objetivo de entregar banda larga mais barata no país todo, pois entende que as empresas privadas não dão conta desse objetivo.

Disse ainda que as privadas teriam que concorrer com a estatal.

Isso, claro, levanta questões importantes.

A primeira delas: em quais condições se dará essa competição? Sabese, por exemplo, que um imenso obstáculo para o barateamento da banda larga — e das comunicações em geral — está nos impostos elevados pagos pelo setor. Há impostos pesados sobre os equipamentos — inclusive no modem — e sobre os serviços.

A estatal pagaria os mesmos impostos? Disputaria os clientes em igualdade de condições? O comentário de Dirceu acrescentou outra questão, enorme. Levanta a hipótese de que o governo pode determinar às suas empresas que contratem exclusivamente a Telebrás para seus sistemas de comunicação, o que retiraria das privadas o tal mercado “de bilhões e bilhões de reais”.

Analistas dizem que isso não seria possível, pois as empresas públicas estariam obrigadas a abrir licitação para contratar tais serviços, e que estatais e privadas deveriam ser tratadas igualmente nesses processos.

Mas, convenhamos. Se for para criar uma Telebrás que funcione com as mesmas regras, restrições e impostos das companhias privadas, disputando “mano a mano”, para quê fazê-lo? Começa que a competição será difícil — as outras já estão aí, equipadas e funcionando — e a estatal, tendo de seguir as determinações do TCU, por exemplo, estará, na verdade, em desvantagem.

Por outro lado, convenhamos, Dirceu é um quadro bem informado.

Além disso, a hipótese que ele levantou faz sentido com outras ações do governo, como a ampliação dos poderes da Petrobras e a exclusividade, sem competição, para explorar o présal.

Por que não faria a mesma coisa com uma superTelebrás, sobretudo neste momento em que o governo, o PT e sua candidata estão anunciando o”Estado forte” e criam estatais? Na verdade, todo esse caso Telebrás é um sinal do que se está criando: uma mistura de governo e seu imenso poder com um cipoal de interesses privados, dos “novos cotistas”, o pessoal que consegue, digamos, trabalhar com o Estado e suas companhias. Mesmo que não haja roubalheira, haverá um vício insanável para a eficiência da economia em geral: contatos em Brasília valerão mais que uma produção competitiva.

Numa economia de mercado, o Estado tem o papel de regular, fiscalizar, induzir e prestar serviços públicos essenciais. Quando há estatais, estas têm que ser separadas do governo de plantão e submetidas a regras de atuação claras e equilibradas com o setor privado.

O que se está fazendo aqui é uma economia de negócios — uma mistura de governo e interesses privados, determinados interesses. É a pior combinação. E a que dá mais dinheiro para quem está por dentro.

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