sexta-feira, janeiro 29, 2010

RUY CASTRO

Terror sob os escombros

FOLHA DE SÃO PAULO - 29/01/2010


RIO DE JANEIRO - Se você se sente esquisito ao penetrar naquele tubo para fazer uma inofensiva ressonância magnética -algo lhe diz que podem esquecê-lo lá dentro e só virem resgatá-lo depois do Carnaval-, imagine o que é estar vivo e soterrado no Haiti, 15 dias depois do terremoto, sem comida, sem água, sem qualquer perspectiva de que venham salvá-lo ou haja equipes trabalhando nisso, ou mesmo que saibam que você está ali.
Quinze dias soterrado equivalem a 21.600 minutos, ou 1.296.000 segundos, sem sequer saber o que aconteceu à sua volta -para todos os efeitos, pode ter sido o bujão de cozinha que explodiu-, que um tremor destruiu sua cidade e matou pelo menos 150 mil pessoas e que o mundo inteiro tenta ajudar. A angústia se dá minuto a minuto. Para ter uma ideia, marque no relógio quanto custa um minuto para passar. Ou um segundo.
Depois de duas semanas presas, duas meninas, 16 e 14 anos, foram retiradas de sob os escombros nos últimos dias. Antes delas, no 11º dia, foi um homem de 24 anos, que teve a sorte de ficar sob os destroços de um supermercado -pelo menos tinha toda espécie de porcarias e refrigerantes para sobreviver. Mas outro, de 22 anos, resgatado no 10º dia, apesar de estar num bolsão de ar formado pelos móveis que caíram sobre ele, só tinha a própria urina para beber.
Estamos falando, claro, de quem não teve, digamos, o corpo imobilizado por uma viga -caso em que já estaria sendo comido vivo pelos vermes, como aconteceu à senhora de 84 anos, retirada ainda consciente no 10º dia.
Nenhum livro, filme ou série de TV jamais poderá dar conta da real dimensão da tragédia de Porto Príncipe. Mesmo a simples reconstituição de um desses dramas individuais está além da capacidade humana de descrever o terror.

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