segunda-feira, janeiro 11, 2010

MURILO RAMOS

Voos turbulentos

REVISTA ÉPOCA


Documento revela que militares preferem comprar um avião, mas Lula já declarou opção por outro


Confirmou-se na semana passada que o governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva possui uma razoável capacidade de criar problemas sem necessidade. Na cerimônia do 7 de setembro de 2009, a Aeronáutica foi surpreendida pela revelação de que Lula havia aberto negociações diretas com o presidente da França, Nicolas Sarkozy, para adquirir 36 caças Rafale da empresa Dassault. Como outras duas empresas disputavam a mesma licitação, a sueca SAAB, que faz o avião Gripen, e a Boeing, que oferece o F-18, a descoberta criou um constrangimento supersônico entre os concorrentes, até porque a preferência francesa foi confirmada pelo ministro da Defesa, Nelson Jobim.

O problema é que Lula não foi apenas indiscreto e atropelou um debate que até então ocorria em ambiente de indispensável segredo. Descobriu-se também que, conforme a análise militar, o melhor avião era outro, o Gripen. A segunda opção era o F-18. Já o escolhido pelo governo fora rebaixado para um modesto terceiro lugar. Descobriu-se a divergência na semana passada, quando a Folha de S.Paulo publicou um relatório técnico da Força Aérea Brasileira (FAB) revelando a escolha da caserna. Na condição de comandante em chefe das Forças Armadas, Lula terá a palavra final na decisão. Mas qualquer que seja sua opção, criou-se um impasse. Se não escolher o Gripen, será acusado de atropelar critérios técnicos. Se escolher o sueco, vai parecer um recuo.

Depois disso, a FAB fez novo relatório. Na nova versão, evita-se estabelecer uma classificação entre os concorrentes. Esse detalhe faz muita diferença. Um documento sem vencedores explícitos deixa o governo de mãos livres para escolher o avião que achar melhor. Depois da divulgação de um documento no qual havia um vitorioso, essa escolha se torna mais delicada.

Embora diferentes no desempenho, no histórico e no preço – o Rafale custa cerca de duas vezes mais que o Gripen – os três concorrentes têm vantagens e defeitos. Na verdade, o favoritismo francês tem raiz política. O governo do Brasil e o da França cultivam a tradição de manter uma diplomacia independente e até conflituosa com os Estados Unidos. Ao contrário dos EUA e da Suécia, a França apoia o pleito brasileiro de tornar-se membro permanente do Conselho de Segurança das Nações Unidas. Sarkozy foi um excelente cabo eleitoral pelas Olimpíadas de 2016 no Rio.

O documento da FAB vazou poucos dias depois que o governo Lula decidiu avançar num projeto que discute a hipótese de abertura de arquivos da ditadura militar. A iniciativa levou os comandantes das Três Armas a assinar uma carta de demissão, apoiados por Nelson Jobim, que prometeu fazer a mesma coisa.

Ao longo de sete anos de mandato Lula não demonstrou a mais leve intenção de entrar em conflito com a caserna. Mas a equipe de governo tem dois ministros – Tarso Genro (Justiça) e Paulo Vannuchi (Direitos Humanos) – com opinião diferente e aproveitam toda oportunidade para tentar colocar em pauta a discussão sobre abertura de arquivos e punição de torturadores. A aversão militar a esse debate levantou a suspeita de que o vazamento do documento constrangedor sobre caças pode não ter sido simples coincidência.

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