sábado, janeiro 09, 2010

CELSO MING

Os bancos centrais sob ataque

O ESTADO DE SÃO PAULO - 09/01/10


Por motivos diferentes, em praticamente todos os pontos cardeais, a atuação dos bancos centrais está sendo questionada e sua independência, duramente combatida.

Na Argentina, o presidente do Banco Central, Martín Redrado, foi demitido quinta-feira à noite por decreto pela presidente Cristina Kirchner. Redrado mostrou resistência em repassar US$ 6,5 bilhões das reservas externas para um fundo cuja função seria resgatar a dívida pública contraída para financiar despesas correntes. Ontem à tarde a Justiça o restabeleceu no cargo. Uma enorme batalha política e judicial deve acontecer agora. O governo argentino pretende engajar seu banco central na compra de apoio dos governadores das províncias depois que perdeu maioria nas duas Casas do Congresso.

Nos Estados Unidos, o Federal Reserve (Fed, o banco central americano) está sob fogo cerrado no Congresso. No Senado tramita projeto de lei que tira do Fed quaisquer poderes sobre regulação bancária. Na Câmara dos Representantes, o projeto em discussão é patrulhar a política monetária. A proposta é revogar lei de 1978 que garante a confidencialidade das decisões da Comissão de Política Monetária (Fomc, na sigla em inglês), que é o Copom deles. O Fed, presidido por Ben Bernanke, está sendo acusado por políticos de não ter feito nada para evitar a formação de bolhas financeiras e, durante a crise, de ter despejado dinheiro demais para evitar o colapso dos bancos. De todo modo, não há por lá nenhuma tentativa do Executivo de apossar-se de recursos monetários do Fed.

No Brasil, nem é preciso alongar demais o tema, o Banco Central é constantemente acusado, até mesmo dentro do governo, de fazer o jogo dos banqueiros, de só pensar naquilo, ou seja, de puxar exageradamente os juros para cima, de ser excessivamente conservador na sua função de prover dinheiro para o setor produtivo e, também, de administrar mal a política cambial, a ponto de deixar que o real se valorize demais, matando a indústria e fechando postos de trabalho.

O Banco Central Europeu (BCE, que cuida da saúde do euro) tem sido atacado por razões opostas. O presidente da França, Nicolas Sarkozy, vem se queixando de que o BCE tem sido pão-duro na emissão de euros e que essa é uma das razões pelas quais o emprego vem diminuindo na França. O primeiro-ministro da Itália, Silvio Berlusconi, às vezes acompanha as críticas de Sarkozy. A chanceler da Alemanha, Angela Merkel, ao contrário, se queixa de que o BCE deixou os juros baixos demais e que isso vai produzir novas bolhas.

O Banco do Povo da China (banco central) e todo o governo de Pequim estão sob pressão dos países ricos. Entendem que a política cambial da China mantém o yuan (moeda chinesa) artificialmente elevado. Além das distorções no comércio, essa política provoca acumulação de reservas, uma demanda excessiva por títulos do Tesouro dos Estados Unidos e uma baixa acentuada nos juros de longo prazo.

Nesta semana, o ministro de Estratégia e Finanças da Coreia do Sul, Gihoek Jaejeong-bu, anunciou que seu número dois na Pasta passaria a participar de todas as reuniões do Banco da Coreia (banco central) na tomada de decisões sobre juros. Ele argumentou que é preciso "observar" por dentro o que acontecia por lá.

E podemos ir em frente nesse levantamento incipiente. Ataques aos bancos centrais têm acontecido com frequência também na Suíça, na Inglaterra, na Austrália e em tantos países mais. Dois são os principais acirradores da metralha: a crise financeira recente, que mostrou os bancos centrais desaparelhados para exercer a função de fiscais e de supervisores do sistema bancário e o enorme déficit orçamentário em que está mergulhada a maioria dos países do Ocidente. (Amanhã tem mais.)

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