quinta-feira, janeiro 07, 2010

ALBERTO TAMER

Começo ruim para o comércio exterior


O Estado de S. Paulo - 07/01/2010

Saíram os números da balança comercial em 2009. São preocupantes. Ela sendo sustentada pelas exportações de commodities para um país, a China, que praticamente não importa produtos industrializados do Brasil. O superávit caiu aos níveis mais baixos da história, apenas US$ 24,6 bilhões, e pode transformar-se em déficit este ano. O Brasil encolheu para 1% do mercado mundial. Era um pouco mais que isso. Há muitas justificativas e desculpas infundadas. Não convencem. A mais frequente é que o comércio mundial também encolheu com a crise e nos fomos atrás. Não fomos. "Ficamos" atrás. As exportações mundiais recuaram 12,3%. As nossas, 22,2%. Outra, para atenuar o desconforto de um superávit declinante, foi a valorização do real, que estimulou as importações! Não foi. Elas também recuaram 25,3%. Mais que as exportações.

NÃO FOI SÓ O REAL FORTE

Vejam bem, "seria" - no condicional - porque crescemos mais e, portanto, importamos mais. Vá lá, coloque-se aí, um pouco do real valorizado. Mas o crescimento da demanda interna teve outro efeito negativo sobre o comércio exterior. Não foi apenas o câmbio. As empresas brasileiras voltaram-se a um mercado interno em expansão, deixando de disputar espaço no exterior. Espaço que existia, sim, mesmo porque o comércio mundial voltou a crescer. Houve acomodação a uma nova realidade. Por que brigar lá fora se há mercado aqui? Um raciocínio comercial de visão curta. A consequência é que perdemos espaço no exterior. Quando quisermos voltar, a China e outros países já ocuparam o nosso lugar.

UMA VITÓRIA QUE É DERROTA

Mas a China transformou-se no nosso maior mercado exportador! Passou até os Estados Unidos! Acertamos em cheio. O mercado está lá! Não está, não. O fato de eles terem se transformado em nossos maiores importadores não é bom. Na verdade, é até ruim. Sabem por quê? Porque 80% do que exportamos para o mercado chinês é de produtos básicos, agrícolas, matéria-prima, que, no dizer dos meus amigos economistas, tem "pouco valor agregado". Traduzindo, geram pouco emprego. E é de mais emprego que o Brasil precisa. Perdemos 2 milhões na recessão.

CHINA TERCEIRIZA O MUNDO

As exportações de manufaturados para o mercado chinês, que já eram pequenas, apenas 17% em 2000, caíram para ridículos 6% no ano passado. Ou seja, estamos criando empregos lá, em troca do que poderíamos ter criado aqui. Melhor, eles estão importando matéria-prima e, em muitos casos processam lá e exportam o produto acabado para o mundo. Até mesmo para o Brasil... E muitas vezes são produtos de firmas "americanas" fabricados... na China. É comum isso. A China está "terceirizando" o mundo.

Pode? Não pode, mas é isso o que revelam os números da balança comercial de 2009.

José Augusto de Castro, vice-presidente da Associação do Comercio Exterior do Brasil, define bem a situação: "Os chineses elegeram o Brasil como seu fornecedor de matéria-prima e passaram a exportar manufaturados para os americanos". Manufaturados que antes nós exportávamos ao mercado americano e agora não exportamos mais... E não é só nos Estados Unidos. Na Europa também.

EUA FICAM PARA TRÁS

Enquanto isso, as exportações aos Estados Unidos não param de recuar, só US$ 15,7 bilhões no ano passado. Mas, argumentam em Brasília, foi porque eles entraram em recessão! Não. Mesmo assim, ele continuaram importando mais de US$ 1,5 trilhão por ano. Antes, eram quase US$ 2 trilhões.

Já ouço fantasmas no Itamaraty dizendo que isso é bom porque, afinal, "diversificamos" nossos mercados; somos, como eles dizem, "exportadores globais". Até pode ser, mas só de produtos primários, agrícolas, minerais, não de industrializados (aqueles do tal "valor agregado", que criam emprego). Quem importa esses produtos são os Estados Unidos. No ano passado, eles responderam por 60% das vendas brasileiras de manufaturados! Mas vem caindo. Em 2000, eram de 72%.

Ótimo, então exportamos para outros mercados. Não é bem assim. Insisto, dados oficiais confirmam que nos últimos anos exportamos mais commodities do que manufaturados.

BRASIL VOLTA AO PASSADO?

Esta é a dura realidade que a balança comercial de 2009 nos mostra, sem disfarce: em comércio exterior, o Brasil corre o risco de voltar ao passado, de se transformar em exportador de commodities. Antes, éramos grande exportadores de café. No ano passado, passamos a liderar as exportações de açúcar, nem sempre cristalizada.

As vendas de manufaturados vêm declinando; eram de 46,8% em 2008 e no ano passado, 43,7%. "Isso preocupa. O Brasil precisa recuperar rapidamente os mercados perdidos, principalmente de consumidores importantes, como os Estados Unidos e a América Latina", afirma Weber Barral, secretário de Comércio Exterior do Ministério do Desenvolvimento.

E deveria preocupar ainda mais porque nosso principal parceiro comercial é a China, que compra 80% de matérias-primas. Belo parceiro esperto e aproveitador, que usando o protecionismo cambial atrelando-se ao dólar passa a dominar o nosso comércio exterior. É isso o que queremos?

"O Brasil se consolidou como exportador de commodities, afirma José Augusto de Castro. "Estamos ao sabor do vento. Se as cotações de agrícolas e matérias-primas caírem, o cenário de 2010 pode ser até de déficit."

Ele não diz, mas está subentendido que, ao contrário dos manufaturados, este é um mercado sensível às oscilações do crescimento mundial. Qualquer variação afeta a cotação do real. De acordo com os cálculos da associação, eles representam 70% de tudo o que o Brasil exporta. Sei que estou dramatizando, mas é essa a realidade que se projeta para os próximos anos. Estranho nisso tudo é que o governo já sabe o que fazer, mas não fez ainda. Um tema para as próximas colunas.

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