terça-feira, dezembro 22, 2009

PAUL KRUGMAN

A disfunção do Senado dos EUA

O ESTADO DE SÃO PAULO - 22/12/09


A menos que algum legislador acabe fazendo alguma trapaça, a reforma da saúde será aprovada pelo Senado esta semana. Pode me colocar entre aqueles que acham que essa aprovação foi uma enorme conquista.

Trata-se de uma lei bastante falha e passaremos anos, talvez décadas, consertando-a, mas é um enorme passo à frente.

E, contudo, foi por um triz. O que mostra que o Senado - e, portanto, o governo dos Estados Unidos como um todo - se tornou inquietantemente disfuncional.

Afinal, os democratas saíram vitoriosos no ano passado, com base numa plataforma que colocava a reforma do sistema de saúde num ponto central. Em qualquer outra democracia avançada, a vitória teria dado a eles o mandato e a capacidade para realizar mudanças importantes. Mas a necessidade de 60 votos para concluir o debate no Senado e acabar com as manobras obstrucionistas - um requisito que não aparece na Constituição, mas é simplesmente uma regra auto-imposta - tornou o que deveria ser uma aprovação direta de uma lei num processo estressante. E deu a um punhado de senadores vacilantes um extraordinário poder para moldá-la.

Agora, pense no que temos pela frente. Precisamos de uma reforma financeira fundamental. Necessitamos lidar com a mudança climática. Precisamos resolver o problema do nosso déficit orçamentário. Quais são as chances de podermos tratar de tudo isso se, para fazer qualquer coisa, são precisos 60 votos num Senado profundamente polarizado? Claro, houve obstruções no passado - na maior parte por segregacionistas tentando bloquear a legislação sobre direitos civis. Mas o sistema moderno, em que o partido minoritário usa a ameaça da obstrução para bloquear cada lei que não é do seu agrado, é uma criação recente.

DEBATES LONGOS
A cientista política Barbara Sinclair fez os cálculos. Nos anos 60, concluiu, "os problemas relacionados a debates longos demais" - ameaças de obstrução ou de fato obstrucionistas - afetaram somente 8% dos projetos de lei de grande importância. Na década de 80, esse índice subiu para 27%. Mas depois que os democratas retomaram o controle do Congresso, em 2006, e os republicanos se viram em minoria, a taxa subiu para 70%.

Alguns conservadores dizem que as regras do Senado não impediram o ex-presidente George W. Bush de fazer o que pretendia. Mas isso é um engano, em dois níveis.

Primeiro, os democratas na era Bush não estavam tão determinados a frustrar o partido majoritário a qualquer custo, como ocorre com os republicanos na era Obama. Os democratas, com certeza, nunca fizeram o que os senadores republicanos fizeram na semana passada: adiaram a aprovação dos gastos do Departamento da Defesa - que está prestes a ficar completamente sem recursos - numa tentativa de atrasar o debate sobre a reforma da saúde.

Mais importante, contudo, Bush foi um presidente do compre agora e pague depois. Ele levou a cabo grandes cortes de impostos, mas nunca tentou aprovar cortes nas despesas para cobrir a perda de receita.

Levou o país à guerra, porém jamais pediu ao Congresso para pagar por ela. Incluiu um caríssimo benefício de medicamentos no Medicare, mas deixou-o completamente sem fundos. Sim, ele teve vitórias legislativas; mas não mostrou que o Congresso pode fazer escolhas difíceis e agir com responsabilidade, porque nunca demandou isso dele.

Ninguém deve se intrometer levianamente num procedimento parlamentar estabelecido há um longo tempo. Mas a situação atual não tem precedentes.

Os Estados Unidos estão envolvidos em problemas graves que precisam ser resolvidos e tem um partido minoritário determinado a bloquear as ações em todas as frentes. Não fazer nada não é a melhor opção - a menos que se queira que o país fique inerte, com um governo de fato inativo, esperando pelas crises financeiras, ambientais e fiscais que vão nos atingir.
Paul Krugman é Nobel de Economia.

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