sexta-feira, dezembro 11, 2009

A. P. QUARTIM DE MORAES

Mais uma na ferradura


O Estado de S. Paulo - 11/12/2009

O governo federal acaba de desferir mais uma bordoada no mercado editorial, particularmente nas editoras, confirmando a contribuição compulsória de 1% sobre a receita (e não 0,33%, como se pleiteava e já parecia decidido) para o Fundo Pró-Leitura, como contrapartida pela desoneração fiscal concedida em 2004.

O que não falta no Brasil são entidades ditas representativas do mundo do livro. Andam aí pela casa da centena. São câmaras, sindicatos, associações, uniões, ligas, cooperativas, etc. Nada contra, fique bem claro.

O problema é outro: o que sobra em quantidade e diversidade de entidades, tanto do ponto de vista das muitas categorias profissionais que integram a atividade livreira quanto no que diz respeito a sua distribuição regional, acaba faltando em termos de efetiva e eficiente qualidade e legitimidade de representação política para a indispensável interlocução com o poder público e com a sociedade e, não menos importante, de articulação dos interesses, principalmente econômicos, por vezes conflitantes, dos vários elos que compõem a cadeia de produção do livro.

Para começar pela articulação interna e pensando apenas na produção editorial para a comercialização no varejo, o exemplo mais ilustrativo talvez seja a relação entre dois dos principais elos da cadeia: editores e livreiros.

É uma relação tensa, difícil e desequilibrada. No ano passado as editoras brasileiras lançaram cerca de 5 mil títulos novos apenas na categoria de obras gerais, que equivale a menos da metade dos livros comercializados. Uma média de quase 15 títulos novos por dia. Ora, não há livraria capaz de comprar tudo isso. Não há nem espaço físico para expor toda essa produção.

No mercado do livro, portanto, a oferta é muito maior do que a demanda. Então, o livreiro negocia sempre a partir de uma posição de força. A maior evidência disso é que, nos últimos 15 anos, o desconto exigido pelos varejistas sobre o preço de capa dos livros aumentou cerca de 15 pontos porcentuais. Já superou largamente os 50%. É a lógica do mercado.

Isso é bom para o livro? Qualquer cadeia tem a força de seu elo mais fraco. Parece óbvia, portanto, a necessidade de que, estando todos no mesmo barco, editores e livreiros não percam de vista a meta comum que é o fortalecimento do mercado do livro como um todo. Uma questão política essencial a ser discutida entre os interessados - se alguém se der ao trabalho de articular esse debate.

Já a questão da representação política junto aos poderes públicos e à sociedade é ainda mais aguda, porque envolve fundamentos do negócio, como se verifica, dramaticamente, neste momento.

Um breve retrospecto da agenda nacional do livro na última década dá bem uma ideia da escassa influência da comunidade livreira nas questões que são de seu interesse vital. Já em 2003, por razões políticas internas do Ministério da Cultura, foi desativada a Secretaria Nacional do Livro e da Leitura, privando a política do livro de um instrumento institucional importante, a partir do qual se acenava com a perspectiva da institucionalização de uma "política de Estado" para o setor.

Nesse mesmo ano foi assinada a Lei do Livro, o primeiro, digamos assim, marco regulatório do setor na História brasileira. Mas longe de ser o resultado de uma ampla e democrática consulta aos interessados, a lei foi iniciativa do senador José Sarney com o apoio de grandes editores do Rio de Janeiro. Melhor ela do que nada, claro, mas o fato é que está até hoje à espera de regulamentação.

No final de 2004 o governo decretou a desoneração fiscal do livro. E as entidades do setor, depois de se terem comprometido a uma contrapartida na forma de contribuição para o Fundo Pró-Leitura, enrolaram durante cinco anos, tentando dar o calote. Aparentemente haviam conseguido, há poucos meses, reduzir o prejuízo, diminuindo a contribuição para 0,33%. Agora vem a decisão final do governo, que expõe em toda a sua dimensão a impotência das entidades livreiras, que já estavam começando a se achar muito espertas.

E apesar de outras iniciativas, como a reativação da Câmara Setorial do Livro e da Leitura (CSLL) e a criação do Plano Nacional do Livro e Leitura (PNLL), o que produziu muita espuma e pouco resultado, a tal política "de Estado" para o livro ainda é um sonho.

E como se comportam as entidades do livro? Como se comporta, em especial, a Câmara Brasileira do Livro (CBL), que é a única das grandes entidades que teoricamente representam toda a cadeia livreira? Aparentemente, a CBL tem estado muito preocupada, pelo menos, com sua própria imagem. Anda plantando na mídia notícias de seu próprio interesse, com dados estatísticos manipulados que, não por coincidência, são festivamente comemorados nos gabinetes de Brasília.

Ou seja, aquela que está mais próxima de ser a mais importante entidade representativa da cadeia editorial, incapaz de influir decisivamente nas políticas que interessam ao livro, age como se tivesse sido cooptada pelo governo federal.

Mas sejamos justos: se não tem poder suficiente para a interlocução com o poder público, não é porque a CBL assim o queira. O que lhe falta é a legitimidade que só pode resultar do reconhecimento de sua representação por toda a comunidade livreira. E isso não existe. A CBL é vista, fora de São Paulo, como uma "entidade paulista". Quem esteve no Encontro de Editores realizado três anos atrás em Fortaleza (aliás, acabaram esses encontros anuais?) sabe do que falo. Está na hora de colocar essa e muitas outras questões na agenda do mundo do livro.

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