terça-feira, dezembro 22, 2009

LUIZ GARCIA

Futuro sujo

O GLOBO - 22/12/09


Nosso futuro não está à venda.

Bela frase, essa. Foi dita por um dos participantes da reunião de Estocolmo sobre o meio ambiente, como crítica às propostas aprovadas no encontro. A principal delas prevê um investimento global de US$ 30 bilhões, a serem gastos até 2012 no combate ao aquecimento global.

Como o autor da frase era o representante da ilha de Tuvalu — que nem eu, nem você nem Barack Obama sabemos onde fica — podemos com alguma tranquilidade e, talvez não muito sabiamente, esquecê-la imediatamente. Dá até para sarcasticamente dizermos que ninguém está mesmo muito interessado em comprar o futuro de Tuvalu.

Por outro lado, e o nosso futuro? Ele também não é ação ordinária e vagabunda oferecida no mercado. Mas o Brasil e o resto deram-se por satisfeitos com o resultado da reunião na Suécia.

Mesmo que o resultado tenha sido tão vago. E vagabundo.

Pelo decidido, os 30 bi garantirão uma redução da elevação da temperatura do planeta em, no máximo, dois graus Celsius até o fim do século. Como isso vai acontecer, ninguém disse. De onde sairá o dinheiro, menos ainda.

Pior: a decisão não implica cumprimento obrigatório da meta pelos grandes poluidores — que, como sabido, são as chamadas grandes potências — que, exatamente por serem grandes, raramente prestam contas sobre o que fazem ou deixam de fazer. O acordo de Estocolmo não tem força de lei, nem cria instrumentos de fiscalização do seu cumprimento.

É preciso reconhecer que o aquecimento global é o primeiro problema na história do planeta que não escolhe suas vítimas.

Estamos todos literalmente no mesmo barco. Com uma diferença importante, cronologicamente falando: as primeiras vítimas serão os povos mais indefesos.

Os outros naufragarão depois.

A história da Humanidade registra diversos momentos em que os mocinhos se uniram contra óbvios bandidos. Parabéns para a Humanidade. Desta vez, no entanto, os mesmos mocinhos — ou seja, os países com regimes democráticos — não estão necessariamente no lado certo da briga. Ditaduras e democracias emporcalham o meio ambiente com o mesmo entusiasmo.

Pior: até agora, ninguém, entre os sábios do planeta, conseguiu dissociar a busca de felicidade e riqueza da poluição ameaçadora.

Isso explica o que acaba de acontecer em Estocolmo: muita oratória produzindo rigorosamente nada de bom. É como costuma ser.

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