quinta-feira, dezembro 10, 2009

LUIS FERNANDO VERISSIMO

Ode à manteiga

O GLOBO 10/12/09

A melhor coisa do filme Júlia e Julie é a informação, no final, que Julia Child e seu marido Paul morreram com 92 anos de idade. Julia Child ficou famosa pelos seus livros e programas de televisão que ensinavam os americanos a cozinhar à francesa. Não sei se foi ela quem disse que a culinária francesa tinha três segredos, manteiga, manteiga e manteiga, mas é o que se aprende nas suas receitas. Júlia e o marido moraram na França numa época, pré-nouvelle cuisine, em que ninguém se preocupava com o colesterol e os efeitos da gordura animal na expectativa de vida. O filme mostra os dois se deliciando com essa dieta sem culpa e sem castigo. O filme é, na verdade, uma ode à manteiga. E a longa vida de Júlia e Paul um exemplo do chamado “paradoxo francês”, a pouca consequência, para as artérias e as tripas nacionais, de um regime alimentar que deveria ser mortal. Além de cozinhar à francesa, Julia Child, mesmo longe da França, também morreu à francesa.
RECUPERAÇÕES
Quando jogou no Flamengo, o Andrade era uma raridade no futebol carioca. Quase um cabeça de área antes do termo existir, o centro sério de um time brilhante. Depois que parou de jogar, continuou sendo uma espécie de reserva moral à qual o clube recorria entre treinadores, mais pelo seu caráter e dedicação do que pela competência técnica, de que ninguém desconfiava. Agora o Andrade ganhou um campeonato em que sua participação foi indiscutível. Foi como se o eficiente e discreto Andrade que jogava para o time e não aparecia de repente se revelasse um brilhante também. Sua glória é retroativa. E a história da sua superação é apenas uma das histórias que transformaram essa vitória do Flamengo num melodrama inspirador. Teve a história do Petcovic, que voltou dos mortos. Teve a história do Adriano, que mostrou ser possível uma pessoa se reinventar sozinha. Enfim, não foi um campeonato, foi um tratado sobre a regeneração.
CURRÍCULO
Quando deram o Nobel da Paz para o Henry Kissinger e para o Menachem Begin, dois com muitos mortos no currículo, decidiram esquecer seu passado guerreiro e premiar seu presente como negociadores, Kissinger procurando uma saída do Vietnã para os Estados Unidos, depois Begin uma trégua para Israel com os egípcios. Com o Nobel da Paz para Barack Obama aconteceu o contrário: premiaram seu passado, principalmente suas promessas de ser um anti-Bush nas relações exteriores dos Estados Unidos, e esqueceram de examinar seu futuro, quando fatalmente cederia aos militares e aumentaria o envolvimento americano no Afeganistão. Um futuro também cheio de mortos.
TUITER
Só para não haver mal-entendidos: não tenho twitter, nunca terei twitter, nem sei bem o que é twitter.
Obrigado.

Nenhum comentário:

Postar um comentário