segunda-feira, dezembro 21, 2009

JULIANO MACHADO

Um estranho no bloco

REVISTA ÉPOCA



Com aval do Brasil, a Venezuela de Hugo Chávez está mais perto do Mercosul. Vale bancar esse sócio?
Desde o início da entrada em vigor de suas bases comerciais, há exatos 15 anos, o Mercosul nunca foi propriamente um exemplo de bloco econômico coeso. Na semana passada, um foco potencial de instabilidade ganhou corpo. O Senado brasileiro aprovou, por 35 votos a favor contra 27, a entrada da Venezuela no bloco, após três anos de tramitação da proposta. Se o Paraguai também liberar o ingresso de Caracas (Argentina e Uruguai já deram aval), o venezuelano Hugo Chávez terá direito a voto nas decisões do grupo e, principalmente, poderá vetar eventuais acordos com outros países. Dimensionar as possíveis consequências desse cenário é tão difícil quanto entender a lógica de Chávez na gestão da economia de seu país, em que bancos ou hotéis são nacionalizados de um dia para o outro e acordos com outras nações são acertados conforme o confuso ideário bolivariano.
A decisão do Senado, com o apoio expresso do presidente Lula, foi amparada nos números da relação comercial com a Venezuela. No ano passado, o superávit do Brasil com o país vizinho foi de US$ 4,6 bilhões, quase 2,5 vezes a mais que o obtido com os Estados Unidos, nosso maior parceiro. Por conta da má administração chavista, a Venezuela importa quase 80% dos alimentos que consome, sem contar outros bens industriais, comprados em grande parte do Brasil. Pelo termo de adesão, a maioria de nossos produtos poderia entrar no mercado venezuelano sem barreiras tarifárias a partir de janeiro de 2012. São argumentos tentadores, mas não anulam a incongruência entre a cláusula democrática do Mercosul, que impede o ingresso no bloco de países que a desrespeitam, e os pendores liberticidas de Chávez. “Houve (por parte do Brasil) um sacrifício dos valores democráticos em troca de um bom acordo comercial”, diz o economista José Guerra, da Universidade Central da Venezuela.
Dias antes da votação no Senado, o regime chavista mostrou como é delicado incluir a Venezuela num bloco que preza pela democracia. Colocou na cadeia a juíza Maria de Lourdes Afiuni, acusada de corrupção depois de ter concedido liberdade condicional ao ex-banqueiro Eligio Cedeño, desafeto de Chávez e sob prisão preventiva desde 2007, por suspeita de fraude financeira. Chamada de “bandida” por Chávez, Maria de Lourdes não teve direito a um defensor público e poderá ser condenada a 30 anos de prisão.
Como quase tudo dentro do Mercosul, a inclusão de Caracas provocou divergências. Mais frágil dos membros com direito a voto, o Paraguai deverá dificultar o interesse dos outros sócios. O presidente Fernando Lugo não tem nada contra Chávez, mas o Congresso é dominado pela oposição, que promete resistir como “os últimos samurais”, nas palavras do presidente do Senado, Miguel Carrizosa. O assunto só será discutido em Assunção a partir de março. A preocupação é que Chávez se intromete demais em assuntos externos. Convidado para a última cúpula do Mercosul, no início do mês, ele fez do evento um manifesto a favor do ex-presidente deposto de Honduras Manuel Zelaya. Para Rafael Villa, do Núcleo de Pesquisas em Relações Internacionais da USP, “Chávez vai acabar obrigado a se comportar de acordo com as regras do bloco”. Se ele entrar mesmo no Mercosul, espera-se que continue a ser o cão que ladra muito, mas dificilmente morde fora de seu quintal.

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