quarta-feira, dezembro 09, 2009

ALMIR PAZZIANOTTO PINTO

Conselho Nacional de Justiça


O Estado de S. Paulo - 09/12/2009

Um dos aspectos relevantes da Emenda 45 à Constituição de 1988, aprovada em 2004 com vista à modernização do Poder Judiciário, resulta da criação do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), cuja ausência facilitava abusos da parte de quem assume o compromisso de zelar pela lei - e fazê-la respeitada.

Compete ao CNJ, segundo o atual artigo 103-B, § 4º, o controle da atuação administrativa e financeira do Judiciário e do cumprimento dos deveres funcionais dos juízes, cabendo-lhe fiscalizar o respeito aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência, entre tribunais e magistrados. Deve, ainda, receber reclamações contra membros ou órgãos do Judiciário, e respectivos serviços auxiliares, serventias e órgãos prestadores de serviços notariais e de registro, e representar ao Ministério Público, nos crimes contra a administração pública ou de abuso de autoridade.

Grave desafio enfrentado pelo CNJ é a morosidade. O vício é antigo, verberado pelo padre Vieira em sermão de 1655, quando acusou o julgador de dilatar "oito meses a demanda que se pudera concluir em oito dias", e oito anos o requerimento "que devera acabar em oito horas".

Bons tempos aqueles. Recebi duas cartas de determinada senhora queixando-se da paralisia que acometeu reclamação trabalhista ajuizada pelo marido, que, "infelizmente, faleceu", exausto de esperar pela solução do processo iniciado em 1999. A responsável seria certa funcionária da Vara do Trabalho que, "segundo informações fidedignas", travou o feito a pedido da advogada da parte contrária.

Reportagens do Estado sobre o périplo do corregedor-geral do CNJ, ministro Gilson Dipp, por diversos Estados comprovam a gravidade da situação. Abstenho-me de transcrever as manchetes, exceto a de 29 de março, que diz: CNJ revela conluio entre juízes e polícia. Mutirão constata "mundo de horrores" nos tribunais estaduais. A matéria trata do apurado no Piauí, no Maranhão e no Pará.



Conheço os obstáculos enfrentados pela Corregedoria. Exerci o cargo dois anos no Tribunal Superior do Trabalho (TST) e guardo na memória, entre tantos outros, o que se passou no Tribunal Regional do Trabalho (TRT) da Paraíba em 1997, quando baixei resolução afastando os integrantes da Corte, seis juízes vitalícios e dois classistas.

O instrumento de que que dispunha era o artigo 709 da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), que defere ao corregedor-geral limitado poder de fiscalização e inspeção e de decidir sobre reclamações contra atos atentatórios à boa ordem processual, praticados pelos tribunais regionais e seus presidentes.

O corregedor do CNJ, ao contrário, dispõe de amplas prerrogativas na defesa do bom nome e do prestígio do Judiciário, para felicidade de advogados e jurisdicionados, cujas causas penam nas mãos de magistrados, "como as almas do purgatório, ou arrastam sonos esquecidos, como as preguiças do mato", conforme disse Rui Barbosa.

Ao magistrado a Constituição assegura garantias ignoradas pelo cidadão: vitaliciedade no cargo, inamovibilidade, irredutibilidade do subsídio. Disso não se segue que paire acima dos comuns mortais. Ao contrário, às prerrogativas inerentes ao cargo deve corresponder com dedicação exemplar, sem quebra da urbanidade no trato. Não é demasiado lembrar a advertência de Rui Barbosa na Oração aos Moços: "Não vos pareçais com esses outros juízes, que, com tabuleta de escrupulosos, imaginam em risco a sua boa fama, se não evitarem o contato com os pleiteantes."

A Emenda 45 adicionou o inciso XV ao artigo 93 da Constituição, ordenando que "a distribuição de processos será imediata, em todos os graus de jurisdição". A distribuição em doses semanais homeopáticas colaborava, decisivamente, com a morosidade. Sopesada parcimoniosamente, a cota semanal funcionava como freio ao juiz operoso e coonestava a produtividade mínima dos desidiosos, sempre à busca de pretextos para não julgar.

Nessa matéria, como na penhora eletrônica, o TST revelou-se pioneiro, pois já em agosto de 2000 tomava a decisão de proceder à distribuição de 140 mil processos estocados em três prédios, cabendo, na ocasião, 10 mil a cada ministro, e de uma só vez.

O desembargador Edgard de Moura Bittencourt, do Tribunal de Justiça de São Paulo, cassado em junho de 1964 por idiotice e estupidez do regime militar, legou-nos o livro O Juiz, escrito em 1966. No exame do que denominou "o colapso do Judiciário", afirmou: "As crises da Magistratura têm muitas das suas causas na conduta ou na inércia dos responsáveis pela Instituição." Sábio diagnóstico, confirmado pela ação do ministro Gilson Dipp, no exercício da Corregedoria.

A Emenda 45 não poderia deixar de apresentar senões. Um deles se encontra no inciso LXVIII, acrescentado ao artigo 5º da Constituição. Garante a todos, no âmbito judicial e administrativo, a razoável duração do processo e os meios que garantam a celeridade da tramitação.

O princípio da celeridade estava assentado no Código de Processo Civil (CPC)de 1939, entre os dispositivos relativos a prazos judiciais, e no artigo 122, que ordenava ao juiz dirigir o processo "por forma que assegure à causa andamento rápido". A norma foi transplantada para o artigo 125 do CPC de 1973, segundo o qual o juiz dirigirá o processo conforme as disposições desse código, competindo-lhe "velar pela rápida solução do litígio".

Como se vê, de nada bastam a Constituição e a lei quando o magistrado aderiu aos princípios da morosidade e entrega ao tempo a incumbência de encontrar solução para a pendência. O problema, como alertava Moura Bittencourt, nasce da conduta ou inércia dos dirigentes da instituição.

Almir Pazzianotto Pinto, advogado, foi ministro do Trabalho e presidente do TST.

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