sábado, novembro 28, 2009

RUY CASTRO

Apagando o passado

FOLHA DE SÃO PAULO - 28/11/09


O cartaz do filme Gainsbourg – Vie héroque, sobre o cantor e compositor francês Serge Gainsbourg (1928-1991), não poderá ser exposto no metrô de Paris. Motivo: o protagonista aparece com um cigarro entre os dedos e o rosto em meio a uma nuvem de fumaça. Se exibisse o cartaz, o metrô seria multado em 100 mil, por “incitação ao consumo de tabaco”.

Deve ser difícil mostrar Gainsbourg sem um cigarro na mão ou longe de uma nuvem de fumaça. Fumar era sua principal atividade, exceto – talvez – quando estava fazendo amor com Brigitte Bardot, Jane Birkin, Catherine Deneuve, Isabelle Adjani e outras. As mulheres gostavam dele, pouco se importando se fumava ou não.

Se a moda pega, os franceses terão de expurgar grandes expoentes de sua cultura moderna. O poeta Jacques Prévert, por exemplo, nunca foi fotografado sem um Gitane ou um Gauloise na boca. Jean-Paul Sartre e Albert Camus idem. E, como eles, os atores Jean Gabin, Michelle Morgan, Charles Boyer, Yves Montand, Simone Signoret , Jeanne Moreau, Jean-Paul Belmondo. O cineasta Jean-Luc Godard. Os cantores Serge Reggiani, Jacques Brel, Charles Aznavour.

Há meses, o metrô de Paris já havia alterado eletronicamente o clássico cartaz de Meu Tio, o filme de Jacques Tati, removendo o cachimbinho de M. Hulot, seu personagem. Prevê-se que, no futuro, outros personagens também serão “corrigidos”: o aventureiro Arsène Lupin perderá sua piteira; o inspetor Maigret, o cachimbo; o capitão Haddock, de Tintin, também.

A França faz bem em proibir o fumo ao vivo em seus ambientes internos – poucos países fumaram tanto no século 20. Mas a boba tentativa de apagar o cigarro de seu passado não faz jus a um povo de que não se sabe o que mais admirar, se os vícios ou as virtudes.

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