terça-feira, novembro 24, 2009

MARCOS NOBRE

Darwin na sala de aula


Folha de S. Paulo - 24/11/2009

A ORIGEM DAS espécies" foi o último grande livro científico acessível a uma pessoa simplesmente culta. Está ao final de uma longa linhagem que, desde a baixa Idade Média, procurou estabelecer a autonomia e a independência da ciência em relação à política, à religião e à moral.
Ao contrário de Galileu, Darwin não foi obrigado a abjurar seus escritos. Não por acaso, "Origem" foi produzido e publicado no único país liberal o suficiente para não expulsar Karl Marx de seu território. Pela primeira vez, a disputa sobre a "verdade" de um livro não foi decidida por instituições políticas, econômicas, religiosas ou judiciárias, mas foi travada em grande medida na arena pública.
Cinquenta anos depois da publicação de "Origem", a ciência já tinha se consolidado institucionalmente como conhecimento acadêmico e como aplicação tecnológica. Mas Einstein já não falava uma linguagem acessível a qualquer pessoa culta. A ciência ganhou autonomia. Mas também se especializou. A especialização sempre foi um obstáculo importante para seguir o modelo duradouro de "Origem", em que a ciência deve justificar no debate público sua autonomia e sua independência.
A ciência institucionalizada procura vencer esse obstáculo fazendo divulgação científica, mostrando os avanços tecnológicos do dia a dia como seus feitos, usando figuras como Einstein como emblemas do gênio.
Mas o fato é que a ciência só conseguiu conquistar de fato sua autonomia porque se instalou no currículo escolar. Tendo como matriz a Europa das últimas décadas do século 19, espalhou-se gradualmente a prática da obrigatoriedade e da universalização do ensino até a adolescência. E, não menos importante, esse movimento foi concomitante à implantação progressiva das democracias de massa.
A discussão pública sobre a origem da vida pode e deve comportar todo tipo de posição, sem dúvida. O essencial é que seja preservada e fomentada a tolerância e, se possível, que se alcance uma melhoria da qualidade do próprio debate.
Mas isso não deve ser confundido com o ensino, regulado pelo mesmo Estado que recebe da sociedade o mandato democrático de garantir a autonomia das instituições modernas. Não deve ser confundido com a introdução no currículo escolar de teses criacionistas de qualquer tipo. Se isso acontecer, desaparece a autonomia da ciência e põe-se em risco o próprio debate público e, no limite, a própria democracia. Antes de tudo, é isso o que está em jogo hoje na comemoração de 150 anos desse livro extraordinário.

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