quinta-feira, novembro 05, 2009

JANIO DE FREITAS

O silêncio dos negócios

FOLHA DE SÃO PAULO - 05/11/09


A PROPAGANDA de vendedor feita pelo ministro da Defesa francês, Hervé Morin, respondeu apenas com um fugidio "sans problème" à questão essencial para que o Brasil não compre ilusão supondo pagar bilhões de dólares pela tecnologia, com o direito de utilizá-la para vendas internacionais, de aviões de caça. Sejam os franceses Rafale da Dassault, os suecos Gripen da Saab ou os norte-americanos F-18 da Boeing.
Hervé Morin veio receber com Nelson Jobim o prêmio Personalidade França-Brasil-2009, mais do que justificado pela venda de submarinos e de uma obra gigante suspeitamente presenteada à Odebrecht. Mas usou a oportunidade para antecipar-se, na promoção do negócio com os Rafale, à chegada dos dirigentes da Boeing para promover o seu F-18.
"Estamos oferecendo ao Brasil um índice de transferência de tecnologia como a França jamais propôs a outro país", apregoou Morin e nada há, em princípio, a opor a tal afirmação. Apesar disso, é aí que estão a obscuridade e o risco em que Lula embarcou às cegas.
Se parte dos preços siderais dos aviões incluem a transferência de sua tecnologia, para que o Brasil possa vir a construí-los e vendê-los, são indispensáveis garantias de que a transferência não está sujeita a restrições de terceiros e, além disso, de que não haverá divisão de áreas internacionais para vendas, como já se deu com a indústria automobilística. Tais garantias não estão nem sequer mencionadas nem mesmo pela parte brasileira.
Os Rafale têm componentes de fabricação ou de patente norte-americanas, os Gripen as têm de origem inglesa. Um e outro estão autorizados pelas indústrias e pelo governo dos Estados Unidos e da Inglaterra a transferir o domínio de seus produtos e até autorizar a serem vendidos, no futuro, pelo Brasil? Nada é dito a respeito, quer pelo Ministério da Defesa brasileiro, quer pelos três ofertantes dos aviões.
Sabe-se, porém, que as restrições a componentes são frequentes, e comuns por parte dos Estados Unidos quando se trata de equipamento militar. A Embraer foi impedida de fechar valiosa venda de aviões Tucano à Venezuela pelos Estados Unidos, por haver componentes norte-americanos em seu avião. Os russos ganharam o negócio com seu admirado Sukhoi, já excluído da "concorrência" brasileira sob outro silêncio do Ministério da Defesa brasileiro.
Sem a explicitada concordância dos fabricantes e detentores de patentes de todos os equipamentos dos aviões, o Brasil por certo terá problemas idênticos ao da Embraer. E talvez até de produção para uso próprio, a depender de circunstâncias políticas internacionais.
Lula proclamou a aliança estratégica com a França (e Nelson Jobim toca os negócios com o estaleiro DCNS, a Odebrecht e a Dassault), com base só na sua "preferência" napoleônica, muito antes de haver tempo para a consideração das questões essenciais pela parte brasileira. O montante multibilionário da transação e seu projetado desdobramento, previsto para quatro vezes o gasto atual, dão ao país ao menos o direito de ser informado sobre as garantias dos negócios que se fazem à sua revelia.

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